Nova publicação, no Canal Ciências Criminais, em conjunto com o brilhante parceiro, Bruno Silveira
Rigon: "A razão cínica no combate aos crimes digitais". Trata-se da
segunda parte do texto que analisa o relatório final da #CPIdosCrimesCibernéticos.
A razão cínica no combate aos crimes digitais
por Bruno Silveira Rigon e Maurício Brum Esteves - 26/04/2016
Nos derradeiros dias do mês de março de 2016, a Comissão Parlamentar de Inquérito dos Crimes Cibernéticos, criada em 17/07/15 “para investigar a prática de crimes cibernéticos e seus efeitos deletérios perante a economia e a sociedade neste país”, apresentou seu Relatório Final. Em artigo anterior (Projeto de censura na Internet?),
alertou-se acerca da existem de projetos de lei oriundos da CPI dos
Crimes Cibernéticos que se destacam por apresentar uma faceta
antidemocrática, como, por exemplo, o projeto de lei que prevê um (i)
procedimento específico para a retirada de conteúdos que atentem contra a
honra.
Continuando nossa leitura crítica, nos termos já propostos, portanto,
passaremos a analisar o projeto legislativo que prevê (ii) a
possibilidade do bloqueio de aplicação de Internet por ordem judicial.
Como ponto de partida, cumpre trazer o artigo 9º, do Marco Civil da
Internet – MCI, que dispõe sobre um dos principais e mais polêmicos
pilares da regulamentação da Internet: a neutralidade da rede. Em sua
acepção, a neutralidade da rede significa que os pacotes de dados devem
trafegar pela rede de forma isonômica, sem qualquer distinção ou
preconceito. Ou seja, é vedado aos operadores de conexão realizar
antigas práticas, como o traffic shaping, para otimizar a capacidade da banda em face de aplicações que demandam maior capacidade de banda.
Caso não houvesse a neutralidade da rede, as grandes aplicações de
Internet, como o Netflix e o Spotify, por exemplo, poderiam literalmente
contratar maior espaço na banda das operadoras para o trafego de seus
pacotes de dados, em prejuízo de quem não paga uma taxa extra para as
operadoras. Nesse cenário, o provimento de conexão torna-se um grande
balcão de negócios, quem possui maior capacidade econômica terá
condições de sobrevier na Internet, enquanto que pequenos
empreendimentos ficarão relegados à impossibilidade de trafego.
Nesta mesma lógica, passa a ser vedado aos operadores de conexão
examinar o trafego de dados para tornar determinadas aplicações
gratuitas e outras extremamente onerosas. Em outras palavras: permitir o
acesso gratuito a e-mails e redes sociais, mas não a determinados
aplicativos. Isso só é possível a partir da análise do hábito de
utilização de cada usuário da rede, a fim de aplicar condições especiais
de banda e preço para cada um.
Para que o intento do PL possa ser levado a cabo, acrescentando-se um
§4º ao art. 9º, do MCI, será necessário que a neutralidade da rede seja
fortemente apunhalada:
§4º Ordem judicial poderá determinar aos provedores
de conexão bloqueio ao acesso a aplicações de internet por parte dos
usuários, sempre que referida medida for implementada com a finalidade
de coibir o acesso a serviços que, no curso do processo judicial, forem
considerados ilegais.
Em síntese, o PL passará a permitir que qualquer juiz determine aos
provedores de conexão medidas técnicas de bloqueio de tráfego, a espelho
do que ocorreu com decisão recente que determinou o bloqueio do
WhatsApp por 48 (quarenta e oito) horas.
O PL apresenta como justificativa dessa proposta de “exceção à regra”
da neutralidade em rede a necessidade do poder judiciário determinar
aos provedores de conexão medidas técnicas de bloqueio de tráfego quando
estiverem diante de atos ilícitos. A retórica do combate ao crime é
novamente utilizada para criar “exceções” e restringir direitos
consagrados. Agora, o alvo escolhido foi a neutralidade em rede. Existem
três grandes problemas nisso. Em primeiro lugar, a própria ideia de
combate ao crime. Em segundo, o decisionismo que reina na cultura
judicial brasileira. Em terceiro, o fato de que, em nossa sociedade
contemporânea, a exceção tende a tornar-se a regra.
A retória de combate ao crime, que está por trás da justificativa que
se baseia na necessidade de introduzir a exceção à regra da
neutralidade em rede quando os magistrados estiverem diante de atos
ilegais, introduz uma lógica belicista de uma guerra que, justamente por
ser uma guerra, pode acabar corroendo e destruindo esse e os demais
direitos previstos no MCI. Isso pode ter como consequência a criação de
um ciberespaço em que a exceção – decretada pelo juiz enquanto soberano –
torna-se a norma. Essa propositura legislativa se apresenta ainda mais
temerária diante desse cenário jurídico-político em que cada vez mais os
magistrados tendem a ocupar o papel de soberanos, o que nos leva ao
segundo ponto da crítica: o decisionismo.
A crítica ao decisionismo no âmbito judicial não é nova, mas
precisamos assinalar que esse fenômeno do protagonismo do poder
judiciário assumiu novos contornos para o direito digital quando
culminou no recente bloqueio do aplicativo WhatsApp por dois dias[1].
A medida cautelar, a pedido do Ministério Público de São Paulo, foi
determinada em uma investigação criminal depois que o Facebook (dono do
WhatsApp) não repassou os dados solicitados pelo magistrado responsável
pelo caso, com fundamento nos artigos 2º e 21 da Lei das Organizações
Criminosas.
Além disso, a pretensão de ter acesso a troca de mensagens já levou
um executivo do Facebook a ser preso em virtude de descumprimento de
ordem judicial em outro caso, agora em Lagarto (SE). Na ocasião, após o
descumprimento de três medidas judiciais, o juiz determinou a prisão
preventiva do vice-presidente para a América Latina do Facebook por
impedir a investigação policial, com base no artigo 2º, parágrafo 1º, da
Lei das Organizações Criminosas[2].
O que podemos notar de comum em ambos os casos? Ao passo de um toque
de caneta (ou de uma assinatura eletrônica) um juiz brasileiro, ao
exercitar o seu poder, é capaz de bloquear um aplicativo de mensagens
amplamente difundido e utilizado pela população brasileira – não só como
meio de comunicação, mas também como de trabalho –, assim como de
mandar prender o administrador da empresa, em tese, responsável pelo
cumprimento da ordem judicial, ao arrepio da realidade fática e da
interpretação constitucional das normas penais e processuais penais. As
decisões eram arbitrárias tanto que ambas foram modificadas em segundo
grau.
Podemos observar na justificativa, ainda, aquilo que Peter Sloterdijk denominou de razão cínica. Nessa esteira, o cinismo – entendido como falsa consciência esclarecida[3] – pode ser verificado na seguinte designação: “eles sabem muito bem o que estão fazendo, mas mesmo assim o fazem”[4].
Tal racionalidade cínica se encontra presente de forma difusa e
universal na cultura contemporânea, inclusive na produção da exceção
enquanto regra[5].
O que queremos dizer, nesse caso, é que os políticos que propuseram tal
alteração legislativa sabiam muito bem o que estavam fazendo ao
introduzir a exceção do §4º (que, ao tornar-se a regra, golpeará com
força a regra da neutralidade da rede), mas mesmo assim o fizeram. Eis a
razão cínica do projeto.
Em uma leitura político-criminológica do cenário sociopolítico atual,
marcado pela guerra política, pela tentativa de censura na Internet e
de restrição de direitos do MCI com argumento de combate ao crime,
podemos antever que se trata de tempo difícil para a defesa das
liberdades em rede. Por isso, precisamos resistir!
NOTAS
[1] A suspensão
do aplicativo de mensagens foi decidida no caso de um homem preso em
2013 sob a acusação de latrocínio, tráfico de drogas e associação a
organização criminosa (Primeiro Comando da Capital – PCC), em que ficou
preso preventivamente por dois anos até que o STF mandou soltá-lo por
excesso de prazo na prisão. GRILLO, Brenno. Bloqueio ao WhatsApp tem
como pivô homem que foi solto pelo STF há um mês. Revista Consultor Jurídico,
16 de dezembro de 2015, 21h42. Importante ressaltar que o bloqueio
durou pouco (12 horas), pois foi impetrado mandado de segurança contra a
decisão e o Tribunal de Justiça de São Paulo, em sede de liminar,
suspendeu a ordem judicial. CANÁRIO, Pedro. Desembargador do TJ de São
Paulo suspende bloqueio ao aplicativo WhatsApp. Revista Consultor Jurídico,
17 de dezembro de 2015, 12h47. No julgamento de mérito, o TJ/SP manteve
a liminar por entender que as medidas coercitivas e cautelares estão
sujeitas ao princípio da proporcionalidade e, no caso, foram excessivas
porque atingiram toda a sociedade, mas não consideraram que a proibição
violasse o MCI. Vide: Suspensão do WhatsApp no Brasil foi
desproporcional, decide TJ-SP, Revista Consultor Jurídico, 6 de abril de 2016, 21h15.
[2] Da mesma
forma, o Tribunal de Justiça de Sergipe, em decisão liminar, revogou a
prisão preventiva do vice-presidente do Facebook para a América Latina.
Vide: Vice do Facebook é solto por decisão de desembargador do TJ de
Sergipe, Revista Consultor Jurídico, 2 de março de 2016, 9h09.
[3] SLOTERDIJK, Peter. Crítica da Razão Cínica. São Paulo: Estação Liberdade, 2012. p. 31-34.
[4] ZIZEK, Slavoj. Eles Não Sabem o que Fazem: O Sublime Objeto da Ideologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. p. 59. Sobre o cinismo, ver ainda: SAFATLE, Vladimir. Cinismo e Falência da Crítica.
São Paulo: Boitempo, 2008. p. 67-89; SILVA, David Leal da; GLOECKNER,
Ricardo Jacobsen. Zoopolítica, Antropotécnica e Pós-Humanismo:
considerações introdutórias sobre o pensamento de Peter Sloterdijk. In: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen; FRANÇA, Leandro Ayres; RIGON, Bruno Silveira. (Org.). Biopolíticas: estudos sobre política, governamentalidade e violência. Curitiba: iEA Academia, 2015, p. 165-194.
[5]Sobre isso, ver: SILVA, David Leal da; RIGON, Bruno Silveira. Eles Sabem o que Fazem: Cinismo e Estado de Exceção. In: Ney Fayet Júnior e Daniel Leonhardt dos Santos. (Org.). Perspectivas em Ciências Penais. Porto Alegre: Elegantia Juris, 2014, p. 123-143.
Na última quarta-feira, 20/04, falei com o jornalista Sabriana Craide, da EBC - Agência Brasil, sobre a polêmica das franquias na Internet fixa. A entrevista foi mencionada em três reportagens publicada no site da Agência Brasil (EBC) na data de hoje:
“A pessoa vai ter um limite de dados e vai usar esses dados conforme
achar mais adequado. Essa é uma mudança bastante significativa para a
vida dos usuários, porque o usuário padrão não está acostumado a fazer
esse tipo de raciocínio sobre a quantidade de dados que está utilizando,
ele simplesmente navega”, avalia o especialista em propriedade
intelectual e direito digital Maurício Brum Esteves.
A oferta de pacotes de internet fixa com franquia de dados poderá
encarecer o serviço e limitar o acesso dos usuários no país. Segundo o
especialista em propriedade intelectual e direito digital Maurício Brum
Esteves, as operadoras querem impor limites de navegação porque precisam
reduzir o uso da internet no Brasil.
“Elas constataram que as
pessoas têm utilizado mais a internet, que está ficando sobrecarregada.
Ao impor o limite de dados, elas querem literalmente tirar algumas
pessoas da internet, que são aquelas pessoas que não vão conseguir
pagar.”
Para Esteves, a necessidade de estabelecer limites de
navegação para os usuários é resultado da falta de investimentos no
setor. “Na medida em que não se investe e as pessoas demandam mais, é
natural que a banda fique sobrecarregada e é natural que se precise
impor um controle”.
(...)
Esteves avalia que a limitação de dados não seria problema se o
consumidor tivesse a opção de contratar uma quantidade grande de dados
por um valor razoável. Mas, na opinião do especialista, a franquia
oferecida pelas operadoras será “irrisória e caríssima”.
“O problema é que a limitação de dados vai acabar sendo cara e vai ser uma forma de limitar os consumidores”, acrescentou.
O especialista em propriedade intelectual e direito digital Maurício
Brum Esteves lembra que o Marco Civil garante a manutenção da qualidade
contratada e estabelece que o usuário não pode ter sua internet suspensa
a não ser por débito com a operadora. Esteves também destaca princípios
da legislação, como a finalidade social da rede, o acesso amplo e a
defesa do consumidor.
“O Marco Civil traz toda uma gama de valores que dialoga com o fato de
que a internet tem que chegar a todos. A internet é uma forma de
liberdade de expressão, de conhecimento, de ter participação na vida
política. E na medida em que a internet passa a ser controlada pela
quantidade de dados, as pessoas menos favorecidas, que não têm condições
de contratar um pacote de dados melhor, vão ficar excluídas da vida
digital.”
Algumas das principais
operadoras de conexão à Internet do país divulgaram, recentemente, que
passarão a incluir, em seus contratos, um limite máximo para o volume de dados mensais que trafegam
na “conta” de um determinado usuário. Tradicionalmente, o serviço das "teles" limitava-se à venda de acesso à Internet, em uma determinada
velocidade, que poderia variava de plano para plano. Com a
mudança anunciada, entretanto, a qualidade do acesso (velocidade) de determinado usuário poderá
variar de acordo com o tráfego de dados, eis que, uma vez atingido o limite máximo
do volume previstos em sua franquia, o acesso do usuário
poderá ser imediatamente suspenso ou reduzido a uma velocidade inferior.
O anúncio casou um verdadeiro alvoroço na sociedade civil, que entende tratar-se de um retrocesso. Como medida de mobilização para barrar o avanço da proposta de limite de dados, uma petição pública, que cotan, atualmente, com 1,5 milhões de assinaturas. As operadas, entretanto, justificam que a alteração será benéfica ao usuário. Para evitar que o consumidor seja lesado, diversos órgãos de defesa do consumidor já estão tomando as medidas necessárias. Entretanto, a Anatel se posicionou, recentemente, através de seu presidente, o Sr. João Rezende, afirmando que a era da banda larga fixa ilimitada chegou ao fim. E, mais, ainda na data ontem, a Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática, através de seu presidente, o Senador Lasier Martins, protocolou requerimento de audiência pública para "discutir o limite ao uso de dados de banda larga do tipo ADSL, a ser implementado pelas operadoras a partir do ano de 2017".
Para conversar sobre o futuro (incerto) de nossa Internet fixa, estive, hoje, na redação do Jornal Zero Hora, para bater um papo com a repórter Fernanda da Costa, e responder perguntas dos internautas que enviaram suas dúvidas. O programa foi transmito ao vivo, através do https://www.facebook.com/zerohora, mas já está disponível para visualização e compartilhamento.
Este último artigo é fruto de um diálogo incrível com a (minha :P) Designer de Produto, Daniella Ferst,
que trouxe sua qualificadíssima experiência com a shareconomy e a
inovação social para dentro da Propriedade Intelectual. Um texto
construído com muito afeto e diálogo. De certa forma, dois valores que a
Propriedade Intelectual tem demonstrado carecer. Espero que gostem!
A (R)Evolução da Shareconomy: Impressoras 3D e Inovação Social
| Maurício Brum Esteves e Daniella Calvano Ferst |Estado de Direito
Propriedade Intelectual e Impressoras 3D
Quando Chuck Hull mostrou ao mundo, em meados dos anos 80, a primeira
impressora 3D, criando a possibilidade de imprimir objetos em três
dimensões, operou-se um verdadeiro alvoroço na indústria tradicional,
ante a mera perspectiva de aumento da pirataria de produtos protegidos
pela Propriedade Intelectual.
Através de um processo de fabricação relativamente simples, no qual
um objeto tridimensional sólido de praticamente qualquer formato e
tamanho pode ser reproduzido a partir de um modelo digital –
frequentemente disponível de forma gratuita na web -,
utilizando-se dos mais variados aditivos e materiais, as impressoras 3D
passaram a permitir, dentre outros, a impressão de brinquedos,
utensílios de cozinha, peças decorativas, móveis, bijuterias, próteses
ortopédicas, entre inúmeras outras utilidades, por preços muito mais
vantajosos do que os vendidos no varejo.
Atualmente, as possibilidades de criação com as impressoras 3D são
quase infinitas, e vêm promovendo a expansão de uma inovação de cunho
social, antes negligenciada pela Propriedade Intelectual. Cumpre lembrar
que em sua concepção original, a Propriedade Intelectual cria uma escassez artificial e uma rivalidade de consumo para os bens imateriais – que são “bens livres”,
em seu estado natural -, justamente para permitir sua apropriação, como
se estivessem sujeitos à lei da escassez, e, desta forma, servir de
incentivo à inovação [1].
Ao que tudo indica, conquanto, a “promessa” da Propriedade
Intelectual de que o método de “apropriação” serviria como ferramenta de
fomento à inovação, tem sido amplamente questionada [2]. Além disso,
tem-se verificado que as melhores e mais eficazes ações para fomento da
inovação, inclusive aquela de cunho social, têm passado ao largo da
ideologia de “apropriação” instaurada pela Propriedade Intelectual.
Assim, por exemplo, para muito além do ideário protetivo da
Propriedade Intelectual, tem sido a partir de modelos colaborativos, e
frequentemente gratuitos e livres para uso, que diversas pessoas e
empresas – como a Associação Garagem Fab Lab, em São Paulo, e.g.
[3] – têm se empenhado em criar os ambientes de fabricação
colaborativos adequados, bem como os modelos digitais de objetos que
possam facilitar a vida daquelas pessoas que as necessitam, mas que não
conseguem ter acesso a estes bens, por razões econômicas e sociais.
Por outro lado, entretanto, ofuscada pelas promessas da Propriedade
Intelectual, a indústria tradicional ainda enxerga as impressoras 3D,
exclusivamente como uma ameaça a seus Direitos, e, paradoxalmente, vêm
lançando mão da mesma Propriedade Intelectual – que deveria ser o
genuíno elemento de fomento à inventividade criativa – para frear a
expansão das impressoras 3D, que, como visto, vem tendo fulcral
importância, justamente, no fomento à inovação. Um das mais curiosas
tentativas, neste sentido, é o caso da patente nº 8286236, requerida nos
Estados Unidos da América, pela empresa Intellectual Ventures of Bellevue.
Com esta tecnologia, a empresa pretende bloquear impressoras 3D de
reproduzir arquivos protegidos por Direitos Autorais, utilizando de um
mecanismo que se assemelha ao sistema DRM (digital rights management), largamente utilizado em CDs, DVDs, E-Books, etc., para impedir a cópia de arquivos digitais [4].
Inovação Social e a (R)Evolução das Impressoras 3D
A tensão acima, nos demonstra que repensar é preciso. Talvez,
tenhamos chegado a um momento em que tanto pessoas como empresas
precisarão rever seu modelo de negócio e sua forma de adquirir e de
consumir produtos. E tão logo, que a própria Propriedade Intelectual se
adapte a estas novas e iminentes formas de inovar, e se coloque como um
meio de promover esse crescente influxo de movimentos colaborativos que,
ao fim e ao cabo, buscam questionar a tradicional tutela de
“apropriação”, em prol de uma maior liberdade para a criatividade.
Expandindo-se em diversas frentes, a shareconomy ou economia
compartilhada, e junto a ela a colaborativa, estão sendo um meio de
disseminação das tecnologias como as impressoras 3D. Uma tecnologia que
agrega a função social às necessidades da sociedade – que o grande
mercado não vê -, além de aquecer um mercado de produtos seriados, porém
com produção por demanda, e tendo a possibilidade de desenvolver
produtos únicos.
A shareconomy também surge, com força, para o consumidor
final, como incentivo para a produção de seus próprios produtos. Este
movimento específico da cultura do compartilhamento vem sendo chamado de
Movimento Maker. Essa ideia de produção “em casa” já existia,
de forma mais artesanal, em nossos avós e pais, e suas garagens cheias
de ferramentas. A inovação, todavia, está alterando o nível de
profissionalismo e diversidade de produtos que se pode criar em casa
utilizando estas impressoras 3D.
Além de imitir o consumidor no poder
para produzir seu próprio produto, cria-se a oportunidade de produção de
tecnologias únicas e exclusivas, ou até mesmo inovando sobre uma
necessidade que ninguém antes havia percebido.
Entre grandes empresas, que já possuem em mãos tecnologias mais
avançadas neste processo, existe a busca pela inovação e descoberta de
novos usos para a produção em 3D, em expertises diferenciadas. Neste
sentido, podemos citar o exemplo da empresa francesa L’Oreal, que
querendo eliminar os testes em animais, desenvolveu uma pele humana
impressa em 3D. Neste mesmo influxo, a NASA financiou o desenvolvimento
de uma impressora de alimentos para amenizar a fome ao redor do mundo,
criando, consequentemente, uma nova alternativa para as viagens ao
espaço.
No video Brasil Makers, retrato de uma nova geração de inovadores
[5],podemos ver o quanto a cultura empreendedora dos jovens atualmente
também está mudando a forma de fazer negócios, valendo-se destas novas
tecnologias disponíveis para produção de produtos. Este movimento, que
se tem chamado de Terceira Revolução Industrial, traz consigo uma
característica que advém do primeiro sistema produtivo que existiu,
antes mesmo do inicio da Primeira Revolução Industrial – que teve inicio
no final do século XVIII [6], o artesanal.
Hoje, porém, com a utilização destas novas tecnologias, o fluxo de
produção está sendo guiado pela demanda existente do consumidor, que tem
a possibilidade de produzir o que precisa, ao contrário do sistema que
nos vinha “empurrando”, desde o ápice da Revolução Industrial, no século
XIX, produtos desenvolvidos com o único intuito de nos criar demandas,
que não necessariamente são reais, além de uma produção/consumo
excessiva e desordenada, comandada por grandes empresas detentoras de
tecnologias produtivas.
Todos têm capacidade para a criatividade e inovação, se influenciados
a tanto. Quem sabe a inovação irá surgir da mão de cidadãos comuns, que
em suas casas entendem melhor suas necessidades, do que o mercado, em
si, que muitas vezes nos cria necessidades que nunca tivemos.
A grande questão que se sobressai,
neste cenário, é: será que ainda precisaremos de leis para gerir a
propriedade de produtos criados em casa, para uso comum ou para uso
coletivo? Ou, melhor, tem a Propriedade Intelectual condições de
fomentar o avanço da inovação social?
Propriedade Intelectual no divã: repensar é preciso…
A pretensão deste artigo não é o de condenar a Propriedade
Intelectual, mas, exclusivamente, fomentar a reflexão e a discussão
acerca das reais condições que a Propriedade Intelectual (e seu ideário
oitocentista) dispõe para cumprir com o compromisso de fomento à
inovação assumido. Principalmente se considerarmos as gritantes
desigualdades sociais que assolam o Brasil, é urgente e necessário que a
Propriedade Intelectual não se reduza à simplicista posição de trazer
um abstrato progresso econômico e social, justa e paradoxalmente,
impedindo que o conhecimento e a tecnologia atinjam todas as camadas da
população.
Com efeito, a Propriedade Intelectual precisa se reinventar, em sua
mais profunda carga axiológica, em busca de uma inovação livre e
colaborativa, além da necessária (re)democratização do acesso ao
conhecimento e às novas tecnologias. A inovação, para além de sua função
abstrata, deve servir de guia para o desenvolvimento de soluções novas e
criativas que consigam promover a satisfação de necessidades humanas
não satisfeitas e a promoção da inclusão social, além da capacitação de
atores sociais que cumpram, efetivamente, com a sua condição de cidadão
[7].
Se a Propriedade Intelectual não se reformular, em sua mais profunda
raiz, para poder cumprir com as suas obrigações sociais inerentes, o
almejado desenvolvimento econômico não passará de uma utopia.
NOTAS E BIBLIOGRAFIA:
[1] Conforme adverte Eduardo Loureiro, a “propriedade, sob a
ótica econômica, é uma resposta à escassez. Quando são muitos os
recursos, não há necessidade de se apropriar deles, que estão
disponíveis em comum e para todos, gratuitamente. Quando se tornam
escassos, nascem os conflitos e a necessidade de apropriação individual,
para garantia da subsistência própria e para evitar o aniquilamento dos
recursos”. (LOUREIRO, Francisco Eduardo. A Propriedade como Relação Jurídica Complexa. Ed. Renovar, Rio de Janeiro, 2003, P. 10). Por esta razão é que “os
bens intelectuais só se tornam apropriáveis através de uma criação
legal, i.e., de uma intervenção do Estado. É o Estado, através da Lei,
quem transforma o bem intelectual em bem apropriável” (GRAU-KUNTZ, Karin. Jusnaturalismo e Propriedade Intelectual. Revista da ABPI – nº100 – Mai/Jun 2009. p. 09). Por esta razão, é que a intervenção estatal só se justifica, s.m.j., na promessa de a Propriedade Intelectual possa servir de ferramenta de fomento à inovação, originalidade, inventividade, etc.
[2] Neste sentido, conforme salienta Denis Barbosa, “cerca de 95% das patentes concedidas a estrangeiros em países em desenvolvimento não eram usadas para a produção local” (BARBOSA, Denis. Tratado da Propriedade Intelectual. Tomo II – Patentes. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro 2010. P; 1766). No mesmo contexto, Carol Proner afirma que “Dados
da UNCTAD dos últimos 70 anos indicam que países periféricos, por
intermédio de suas pessoas físicas ou jurídicas, seriam detentoras de
apenas 16% das patentes concedidas internamente, enquanto 84%
pertenceriam a cidadãos ou entidades de países centrais. Estudos apontam
que, desse total 84%, apenas 5% dessas patentes passam a ser
efetivamente exploradas, atuando, então, como um importante instrumento
de bloqueio de mercado à livre entrada de novos concorrentes” (PRONER, Carol. Propriedade Intelectual: para outra ordem jurídica possível. – São Paulo: Cortez, 2007. P. 60).
[3] Associação Garagem Fab Lab é um laboratório de fabricação digital. Informações completas podem ser encontradas no website: http://garagemfablab.com.br/
[6] Nesse sentido: “O artesanato, primeira forma de produção
industrial, surgiu em fins da Idade Média com o renascimento comercial e
urbano e definia-se pela produção independente; o produtor possuía os
meios de produção: instalações, ferramentas e matéria-prima. Em casa,
sozinho ou com a família, o artesão realizava todas as etapas da
produção. A manufatura resultou da ampliação do consumo, que levou o
artesão a aumentar a produção e o comerciante a dedicar-se à produção
industrial.” – http://www.culturabrasil.pro.br/revolucaoindustrial.htm
[7] Neste sentido: “Assim, entendemos a inovação social como uma
resposta nova e socialmente reconhecida que visa e gerar mudança social,
ligando simultaneamente três atributos: (i) satisfação de necessidades
humanas não satisfeitas por via do mercado; (ii) promoção da inclusão
social; e (iii) capacitação de agentes ou actores sujeitos, potencial ou
efectivamente, a processos de exclusão/marginalização social,
desencadeando, por essa via, uma mudança, mais ou menos intensa, das
relações de poder.” (ANDRÉ, Isabel; ABREU, Alexandre. Dimensões e Espaços da Inovação Social. Revista Finisterra. v. 41, n. 81 (2006)).
Daniella Ferst é Articulista do Estado de Direitograduada
em Design de Produto, pela Uniritter, e proprietária do estúdio Polpa
Curadoria, especializado na gestão de projetos de produtos com foco
social e ambiental. Diretora de Projetos na ONG Net Impact POA. E-mail: polpacuradoria@gmail.com
Conheço o Bruno Silveira Rigon
há bastante tempo. Trata-se de um baita amigo, e excelente parceiro,
desde as tenras épocas de Colégio Rosário. Durante a faculdade de
Direito, nossa parceria seguiu firme, e se expandiu (e muito), inclusive
para um curta, mas profícua e engrandecedora parceria na advocacia!
Deste então, inúmeras têm sido as discussões acadêmicas e profissionais.
"Salvamos o mundo" inúmeras vezes, e em tantas outras parecia que nada
mais teria solução. Hoje, um pouco mais experientes (nem tanto kkkkk),
canalizamos todo esse tesão pela "Ciência" do Direito, e nos lançamos ao
mar com essa primeira (e ainda tímida) contribuição ao mundo do
Direito. Espero que gostem!
Projeto de censura na Internet?
por Bruno Silveira Rigon e Maurício Brum Esteves - 12/04/2016
No último dia 30/03/2016, a Comissão Parlamentar de Inquérito dos Crimes Cibernéticos, criada em 17/07/15 “para investigar a prática de crimes cibernéticos e seus efeitos deletérios perante a economia e a sociedade neste país”, apresentou seu Relatório Final.
Em que pese sejam inquietantes os dados apresentados, que justificaram a
própria criação da CPI dos Crimes Cibernéticos – como, e.g., o
crescimento, entre 2013 e 2014, de 192,93% nas denúncias envolvendo
páginas na Internet suspeitas de tráfico de pessoas, bem como que, em
2010, os gastos com crimes cibernéticos, no Brasil, chegaram a incríveis
US$ 15,3 bilhões – as conclusões e encaminhamentos finais sugeridos no
Relatório Final da CPI dos Crimes Cibernéticos foram recebidos com
bastante preocupação pela comunidade jurídica, que vê, na essência dos
encaminhamentos propostos, reflexos de práticas adotadas em períodos
antidemocráticos, que pouco coadunam com a proposta democrática da Carta
Magna de 1988.
Não podemos, entretanto, cair em uma análise alarmista simplesmente
rejeitando todas as proposições formuladas na CPI, pois existem alguns
pontos bem elaborados (como o projeto de lei que adiciona a educação
digital entre as diretrizes do Plano Nacional de Educação – PNE, por
exemplo). Contudo, existem projetos de lei oriundos da CPI dos Crimes
Cibernéticos que se destacam por apresentar uma faceta antidemocrática
que precisa ser objeto de uma leitura crítica. Destacamos, nesse breve
espaço, dois projetos que dispõem sobre (i) o procedimento específico
para a retirada de conteúdos que atentem contra a honra e sobre (ii) a
possibilidade do bloqueio de aplicação de Internet por ordem judicial. O
presente texto ocupa-se do exame crítico da primeira propositura.
O primeiro projeto (i) visa alterar o Marco Civil da Internet para
que conteúdos violadores do bem jurídico “honra” sejam removidos de
forma célere da Internet, sem necessidade de decisão judicial, sob pena
de responsabilização solidária dos provedores de aplicação (art. 21-A). A
justificativa de tal alteração está ancorada nos danos irreversíveis
que os crimes contra a honra praticados nas redes sociais podem
ocasionar, na necessidade de uma resposta célere em virtude da rápida
“viralização” dos conteúdos, na impossibilidade prática do direito ao
esquecimento, bem como na penalização que as vítimas desse tipo de
delito sofrem. Tais vítimas, inclusive, podem ser políticos, já que uma
das justificativas deixa clara a preocupação com os pleitos eleitorais,
que “podem ser extremamente influenciados por campanhas difamatórias
praticadas pela internet, ainda mais em se considerando o curto tempo
das campanhas eleitorais”. Ao final, invoca-se o argumento que a demora na remoção desses crimes praticados na web pode “custar vidas e resultar em prejuízos, inclusive à democracia”.
O efeito imediato desse projeto de lei é a censura.
Há nítida e expressa menção na justificativa do PL de que o método
judicial para derrubada de conteúdo não atenderia às “necessidades” dos
períodos eleitorais. Grifamos que a “honra” de que trata o artigo 21
original do MCI, dialoga com a “honra” dos crimes contra a “honra”. Ou
seja, o ânimo é o que evitar que crimes sexuais ou exposições indevidas
da intimidade de pessoas (revange porn) circulem da Internet.
De forma sorrateira esse PL busca desvirtuar o conceito de “honra”,
estritamente vinculada ao conceito semântico de sexo, para incluir, em
um artigo 21-A, a “honra” lato sensu como hipótese para “fugir”
do procedimento judicial criado pelo MCI justamente com o intuito de
evitar a censura e promover a liberdade de expressão.
Em um período eleitoral o efeito imediato da alteração pretendida por
este PL será o de que todo e qualquer comentário contrário aos
políticos será imediatamente retirado pelos provedores de aplicação, sob
pena dos próprios provedores serem subsidiariamente responsabilizados.
Importante salientar que, mesmo com o MCI em vigor nas últimas eleições
presidenciais, inúmeros foram os pedidos de retiradas judiciais de
conteúdo por políticos, todos eles vinculados à competência do Tribunal
Eleitoral, que, por gozar de pouco ou nenhum conhecimento sobre o
funcionamento da rede, determinaram a retirada maciça de conteúdos
contrários aos interesses de políticos. O artigo 21-A pretendido por
este PL será um nítido retrocesso das liberdades criadas pelo MCI.
O ânimo cristalino desse PL, não é o de simplesmente criar um meio
para retirada de conteúdo sem ação judicial. Conforme é cediço, a
prática nos indica que os provedores de aplicação efetuam a retirada de
conteúdo após uma simples notificação, sem afrontar o MCI. Isso porque
os Termos de Uso e Políticas de Privacidade do site são
utilizados como norteador para o uso ilegal da aplicação. Nesse sentido,
os próprios provedores, de ofício ou mediante simples notificação,
costumam retirar conteúdo ilícito, criminoso ou que, simplesmente, seja
vedado pelos Termos de Uso e Políticas de Privacidade da ferramenta. O
que o PL pretende criar, entretanto, é um meio coercitivo para que os
provedores de aplicação sintam-se obrigados a efetuar a retirada de
conteúdo, colocando-os com responsabilidade solidária caso a retirada
não ocorra em 48h – sem qualquer exame de mérito.
Não bastasse a previsão anterior, abusiva por si só, o PL vai além e
pretende que o provedor que operou a retirada permaneça em constante
fiscalização para retiradas de conteúdo “similar” aquele cuja
notificação já foi dirigida (art. 21-B). Nesse sentido, podemos
transcrever a justificativa do PL: “O segundo ponto tratado pelo
projeto, que guarda estreita relação com o primeiro, diz respeito à
extensão das remoções a todos os conteúdos similares, postados em
momento posterior à obtenção da decisão judicial”. Além disso, é
preciso observar atentamente o contexto sociopolítico em que o Relatório
Final da CPI dos Crimes Cibernéticos está inserido. Qual esse contexto?
Guerra pelo trono à brasileira. Disputa de poder para ocupar a cadeira
do governo federal. Seja qual for o cenário pós-processo de impeachment,
o perigo do retorno da velha prática autoritária da censura, ainda que
metamorfoseado devido às transformações da sociedade contemporânea com
as revoluções informacional e digital, é concreto.
O pior: seu discurso de legitimação vem com argumento baseado na
democracia e, por isso, lhe confere uma “aparência democrática”. Agora a
democracia serve de escudo para legalizar a censura na Internet.
Trata-se de uma a retórica que usa a democracia a pretexto de justificar
práticas autoritárias. Discurso democrático contra a democracia. É a
inversão ideológica do discurso democrático justamente para ferir a
democracia. Nosso papel, aqui, é de passar um demaquilante na face
desses projetos legislativos a fim de tirar-lhes a maquiagem que esconde
a velha, antiga e feia cara do autoritarismo.
O próprio inventor da web, Tim Berners-Lee, preocupado com a
possibilidade do retrocesso legal em nosso país enviou uma carta aberta
ao poder legislativo brasileiro fazendo um apelo pela rejeição das
propostas inseridas no relatório.
Aliado a tudo isso temos no mesmo cenário a aprovação de uma lei
antiterrorismo que pode, a depender da arbitrariedade da interpretação,
considerar terrorista aquele manifestante que reivindique seus direitos.
Parece que há uma tentativa de imunizar e blindar o poder político,
sufocando a voz daqueles que protestam.