terça-feira, 31 de janeiro de 2012

O Estatuto da Diversidade Sexual




Desde que foi proposto, e começou a ser elaborado por parte de juristas brasileiros de grande destaque nacional e internacional, o Estatuto da Diversidade Sexual, cujo anteprojeto permanece em discussão, vem sendo orgulhosamente ostentado como a solução para o preconceito e discriminação que ainda pairam sob a população homossexual, impedindo-os de gozar dos mesmos direitos civis e constitucionais garantidos a todos os brasileiros. Ocorre que, na mesma medida em que a proposta possui grande mérito em aumentar a discussão jurídica entorno de tão importante problemática, peca pelo reducionismo e excesso de pragmatismo com que trata de tão complexa questão.
A criação deste microssistema normativo, especial para o público homossexual, não passará de um subterfúgio legal para contornar, ao invés de enfrentar na sociedade e nos Tribunais, o ranço de preconceito e discriminação que ainda existem contra os homossexuais. Tecnicamente falando, uma lei possui duas características fundamentais: geral e abstrata. Isto significa que ela apenas preceitua comportamentos que passarão a ser adotados - hipoteticamente -  por todos, impingindo pena, em alguns casos, para aqueles que a descumprirem.
No Brasil, uma legislação é promulgada, normalmente, na tentativa de normalizar um comportamento pouco adepto na sociedade, mas que se gostaria passar a ser o usual. Neste sentido, questiona-se: se existisse respeito pelos homossexuais, existira a necessidade de uma legislação obrigando a população a respeitá-los? Não! A aparente necessidade desta Lei é para buscar a mudança de um comportamento que eticamente não é mais aceitável, mas infelizmente ainda se encontra em voga. Mais uma pergunta: este problema é causado pela legislação que é falha ou pelos intérpretes desta legislação? A Lei é preconceituosa ou seus intérpretes é que o são?
Em uma atenta análise dos cento e onze artigos, espalhados ao longo dos dezoito capítulos do Estatuto, percebe-se, claramente, que este não obrou grandes inovações, já que grande parte do seu conteúdo já se encontra, de modo direto ou indireto, no texto da Constituição Federal de 1988, ou mesmo já foram consagrados pela mais arejada jurisprudência pátria: adoção, união estável e casamento, e.g. Outros Direitos previstos pelo Estatuto, tais como saúde, previdência, educação, trabalho, moradia, já são garantidos a todos os brasileiros, sem se cogitar qualquer espécie de discriminação.
Muito embora grande parte das previsões constitucionais que o estatuto se limitou a reproduzir já terem sido alvo de vitórias na sociedade e nos tribunais, porque razão, então, alguns destes direitos nunca foram respeitados e aplicados? Precisará uma lei ordinária repetir os preceitos constitucionais para lhe trazer eficácia? Não! A promulgação de uma lei não é significado de sua correspondente aplicação e cumprimento. A necessidade de uma lei para ordenar que os Direitos dos Homossexuais sejam respeitados corresponde a afirmar que estamos diante de um público que não pode gozar dos mesmos direitos civis que o resto dos brasileiros, razão pela qual precisam de um microssistema normativo para lhes assistir! O que seria um tanto quanto falso, já que, como vimos, a Constituição Federal e a mais arejada jurisprudência nacional já preveem um sistema jurídico na qual esteja em seu âmago o respeito pela dignidade da pessoa humana como fundamento da própria República!
Não precisamos de Leis, mas de pessoas conscientes e que estejam a fim de "fazer a coisa acontecer". Operadores do direito que, com auxílio da Carta Magna, modifiquem a jurisprudência pátria. Cidadãos que reconheçam, no íntimo de suas existências, a igualdade de todos perante a lei. Afinal, uma lei não passa de uma tentativa de descrever o comportamento social.  Mas a lei nunca passará de um simples mapa, cujo objetivo é desenhar o homem em toda a sua complexidade.
Neste sentido, importante é não perder a noção do que é mapa e do é território. O mapa deve ser desenhado conforme a formação geológica do território que busca descrever. Assim, e.g: se decidirmos desenhar um mapa do Brasil fazendo fronteira com os Estados Unidos, a formação geológica não irá se alterar segundo as diretrizes do mapa, pois outro é o território. Assim ocorre com a Lei. Se existe a vontade de se respeitar os direitos dos homossexuais, cuja previsão constitucional já existe, não será necessário promulgar lei alguma. Se esta vontade não existe, a lei será inócua. A verdadeira mudança está em nós! Em cada cidadão brasileiro e sua vontade de fazer valer os direitos de todos, pois vivemos em um Estado Democrático de Direito, cujo bem-estar geral é a principal garantia de vivermos em uma sociedade cada vez mais justa, igual e solidária.
Tratando-se do Direito nos Tribunais, cumpre advertir que um discurso jurídico sólido e consistente não se faz com leis, mas com decisões e mudanças de paradigmas jurisprudencias, cujo epicentro normativo deve se encontrar na Constituição Federal. Caso seja aprovado e promulgado, o Estatuto normalizará os homossexuais em um Direito "especial", um microssistema fora do sistema jurídico - que permanecerá carregado dos antigos preconceitos. Embora não passe de um eco distante da Constituição Federal, para os juristas mais tradicionais, o Estatuto da Diversidade Sexual garante uma fatia deste enorme bolo chamado Direito Privado a um público antes excluído.  A luta fica para trás, dando espaço a um conforto que  não corresponderá a realidade da população homossexual.
*Por Maurício Esteves

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Fórum Social Temático



Começa hoje o Fórum Social Temático, em Porto Alegre.



Em busca de um novo paradigma

Direito e Homoafetividade: Em busca de um novo paradigma: (Seguindo a série sobre as mudanças do paradigma familiar no Direito) As Uniões Homoafetivas existencializaram-se como núcleos familiares no século XX, no auge das revoluções culturais que deram vida e liberdade as pessoas e uma nova forma de encarar uma jornada que termina no final da existência humana, ou não. O que era tão negado pelo conservadorismo fortemente vinculado a religião acabou ruindo por uma nova forma de sociedade e de família que nascia naquele período.
(...)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

"Nazistas eram gente como eu e você"


Hitler ganhou espaço na Alemanha porque a classe média não tinha perspectivas. seus apoiadores não eram maus, mas pragmáticos.


Por Götz Aly*
Texto publicado no site da Revista Galileu**


(Revista Galileu) - Pense em um conhecido seu, um primo ou um amigo. Imagine que ele perdeu o emprego há vários meses e não consegue levar dinheiro para casa. Faz alguns bicos, aqui e ali, mas não consegue encarar os filhos nos olhos. Para piorar as coisas, o vizinho foi promovido, trocou de carro e está construindo uma piscina no quintal de casa. Essa situação dura vários meses, até que um novo governante assume o poder e promete que quem participar do novo regime vai ganhar uniformes exclusivos, poder e, principalmente, um emprego com salário alto. Foi uma situação como essa que formou a base do nazismo na Alemanha: gente comum, que viveu um período prolongado de dificuldades financeiras e baixíssima auto-estima. Poderia ser seu primo. Poderia ser seu vizinho. Poderia ser você.

Meu avô Friedrich Schneider foi um destes homens. Em 1926, ele e outros 5 milhões de pais de família estavam desempregados e se juntaram ao Partido Nazista. Todos acreditavam, com sinceridade, que aquele sujeito entusiasmado de bigode estreito iria mudar o país e tirá-los da humilhação imposta depois do fim da Primeira Guerra. A queda da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, só piorou o quadro de carência, inflação e desemprego. Em resposta, Hitler oferecia um mundo organizado, militarizado, que valorizava a disciplina e o acesso à qualidade de vida para quem aderisse ao seu grupo. Havia um efeito colateral grave, no entanto: aquele vizinho rico ao lado teria que perder muito. Primeiro perderia o patrimônio, depois a liberdade e, por fim, a vida. Mas não era difícil olhar para o outro lado e ignorar aquele absurdo. O gueto de Varsóvia ficava longe, lá na Polônia, enquanto que levas e levas de roupas e jóias finas dos judeus presos chegavam a Berlim, para o deleite das pessoas que, pouco tempo antes, passavam aperto.

Na contramão, havia uma elite crescendo com poder maior ainda. Ela desfilava com suas insígnias, suas casas maiores, seus elogios em cerimônias públicas para as multidões. Diante disso, o sumiço de uma parcela da população que causava inveja não incomodava. Nenhum cidadão comum sabia, na época, que 6 milhões de pessoas estavam sendo trucidadas, mas a maioria dos alemães continuaria fazendo exatamente o mesmo: cuidando de sua própria vida. Surgiu, nesta época, uma classe de nazistas emergentes, que batalhavam para buscar mais espaço naquela sociedade que parecia estar em franca ascensão. Perto desta oportunidade, quem se importaria com os judeus?

Portanto, a maioria dos meus colegas historiadores da Segunda Guerra está equivocada: o principal ingrediente para transformar um país inteiro em uma máquina de matar inocentes não era a maldade, nem mesmo o racismo. Era o pragmatismo. E essa é uma má notícia, porque seria mais simples se pudéssemos apenas culpar os alemães. Se o nazismo e o antissemitismo cresceram graças a um ambiente de pobreza e, principalmente, de falta de perspectivas, este fenômeno pode se repetir a qualquer momento, em qualquer lugar.



* Historiador alemão especializado em nazismo e autor do livro "Why The Germans? Why the Jews?"

Estatuto da Homoafetividade e a fragmentação do homem


Imagem colhida na Internet

Ao tempo em que a sociedade passou a exigir do Estado o reconhecimento de novas diretrizes familiares, mais dúcteis à complexa realidade social que se encontra nas ruas, calcada nos Direitos Constitucionais, na igualdade de direitos e na não discriminação por orientação sexual, a única resposta, um tanto quanta intempestiva, que até agora sobreveio foi a possibilidade de se promulgar um fragmentador microssistema normativo denominado de Estatuto da Homoafetividade.
Cumpre observar, primeiramente, que a criação de microssistemas normativos, tal como o Código do Consumidor (CDC) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), além de ser um atentado ao Princípio da Unidade do Sistema Jurídico, que encontra seu epicentro na Constituição Federal, é uma tradicional manobra de juristas adeptos de uma epistemologia jurídica tradicional por não conseguirem trabalhar com a eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais e sua auto-aplicabilidade. Entretanto, legislar não é preciso! A mudança, para a afirmação destes direitos, deve partir dos próprios operadores do Direito que já possuem respaldo normativo na Constituição Federal de 1988.
A criação de microssistemas é uma frustrada tentativa de fuga da normatividade para se criar um sistema próprio, com leis próprias, princípios próprios e, quiçá, com juízes próprios! Plenamente questionável, neste sentido, se a luta pelo reconhecimento dos direitos dos homossexuais é uma tentativa de fuga ou uma batalha por reconhecimento e aceitação dentro do próprio Direito das Famílias?
Evidente que se trata da segunda opção! O que se busca é a não discriminação por orientação sexual. A aceitação de várias formas de famílias, ora baseadas no amor e no afeto. Não se trata de estigmatizar pessoas por orientação sexual, criando-se um direito próprio para elas. Almeja-se o Direito das Famílias, com todos os seus direitos! Busca-se a queda do padrão tradicional de família e o reconhecimento das novas diretrizes familiares.
A desacertada opção pelo Estatuto da Homoafetividade apenas vai aumentar o estigma e a discriminação daquelas pessoas que optam por uma orientação sexual diversa do que, atualmente, a mais atrasada jurisprudência vem encaixando no conceito de família. Já consigo, inclusive, imaginar a jurisprudência tratando dos homossexuais, após a promulgação do Estatuto: "as famílias homoafetivas", "sucessão homoafetiva", "partilha homoafetiva", "adoção homoafetiva", "alimentos homoafetivos". Com certeza, o adjetivo homoafetivo virá acompanhar cada substantivo e cada verbo. Não se tratará simplesmente de uma família formada por dois homens ou duas mulheres, mas uma família homoafetiva!
Assim como os judeus, que foram sendo progressivamente estigmatizados e marcados durante o holocausto, estamos na iminência de criar uma nova espécie de pessoas: os homossexuais. Infelizmente, seus direitos não são dignos do sistema jurídico, mas demandam um microssistema próprio, o Estatuto da Homoafetividade. Se resume a isto a contribuição dos juristas, a promulgação de um Estatuto?
*Texto publicado em 29/12/2011 no Blog Direito e Homoafetividade