* Publicado nas edições de 28/07/2015, do Jornal do Comércio e do Espaço Vital.
Charge de Gerson Kauer
Na minha humilde concepção, acreditava que a vida de um chapista se
resumia em ouvir qual pedaço de carne o cliente gostaria que lhe fosse
servido, e, simplesmente, colocar o respectivo pedaço no prato do
cidadão.
Se o chapista fosse um juiz de direito, seria algo como a famosa
subsunção da lei ao caso concreto. Em outras palavras, identificar a
letra fria da lei, e, meramente, aplicá-la ao caso concreto. Ou, buscar o
pedaço de carne, e colocar no prato. De forma simples, reta e estreita,
sem margem a qualquer divagação filosófica ou (pseudo) intelectual.
No que tange ao Direito, hoje sabemos serem inúmeros os desafios na
aplicação da norma, ao contrário do que se acreditava durante o
positivismo jurídico. E, para meu espanto, a mesma constatação é válida
para o chapista.
Não se trata unicamente de selecionar o pedaço que o cliente pediu e colocá-lo no prato: a missão vai muito além!
Na verdade, é preciso primeiro entender, na mesma medida em que o
emocional das pessoas que procuram o Judiciário está comprometido - em
razão de conflitos de interesses – que as pessoas que buscam o chapista
de carnes também estão com seu emocional comprometido, em razão da fome
que as tira do pleno controle de suas emoções.
Assim, tanto o juiz como o chapista lidam com pessoas emocionalmente
comprometidas, e esperam que suas expectativas sejam atendidas, seja ela
uma sentença ou um pedaço de carne.
Hoje, por exemplo, uma senhora endereçou a seguinte “petição” ao chapista:
- Senhor, quero o pedaço mais macio que tiver. Ah, bem passado, por favor!
Por mais que possa parecer um contrassenso impossível um pedaço de carne ser ao mesmo tempo “bem passado” e “macio”,
o atencioso chapista escolheu, com atenção, o que mais parecia atender
às expectativas da senhora. Antes porém que a carne aterrissasse no
prato da cliente, entretanto, o chapista ouviu:
- Não, não, senhor! Esse pedaço, não! É muito grande! Um menorzinho, por favor!
De tanto ouvir inúmeros pedidos desta estirpe, o resignado chapista
de carnes nem mais dava ouvidos ao que os clientes realmente pediam. Em
alguns casos, juro que ouvi o cliente pedir um simples pedaço de frango
grelhado, mas lhe foi servido um pedaço de polenta. E, antes que esse
cliente pudesse reclamar do serviço que lhe foi prestado, o excesso de
pedidos de outros que aguardavam o atendimento do chapista, acabou “obrigando-o” a se resignar com a polenta mesmo.
Confesso que já recebi de inúmeros juízes de direito, em diversas oportunidades, um pedaço de “polenta”, ao invés do “frango grelhado”
que solicitei. O excesso de processos, de filas e de causos é sempre
alegado para justificar o injustificável atendimento, da mesma forma
como ocorreu, agora, com o chapisca.
E, por mais que alguns digam que a “polenta” pelo “frango”
- tanto no que tange ao cliente do chapista, quanto do juiz de direito -
deu-se pelo fato de que ambos os clientes não foram felizes e claros o
suficiente em suas petições, em nada altera o fato de que ambas as
profissões, juiz de direito e chapista, são semelhantes.
A única diferença, na verdade, é que o chapista de grelhados sabe que está lidando com pessoas que buscam a melhor “solução” para suas fomes.
Publicado em 28.07.2015
Jornal do Comércio (físico em eletrônico): http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=203550
Espaço Vital: http://www.espacovital.com.br/publicacao-31906-semelhancas-entre-um-juiz-e-um-chapista-de-carnes