segunda-feira, 21 de maio de 2012

A CPI do ECAD: desinformação e dominação


Atualmente, a enxurrada de informações que as novas mídias proporcionam ao grande público, aliado a facilidade em seu acesso, tem se transformado, diariamente, num verdadeiro bombardeio de notícias. Em que pese tratar-se de um período único na história, com a população tendo amplo alcance a qualquer meio eletrônico com acesso à rede, de forma instantânea tomando conhecimento dos fatos, paradoxalmente, pode-se afirmar que esse fenômeno imediatista vem acarretando um efeito revés ao esperado: em vez da informação, a desinformação.

Percebe-se, cada vez mais, que as notícias são lidas de forma  superficiais pelo cidadão comum que, de forma acrítica, as tomam como verdade absoluta, sem pensar no que está por detrás daquela matéria divulgada. Assim tem ocorrido com a Comissão Parlamentar de Inquérito do ECAD, erigido como o novo vilão do Brasil, quiçá na mesma esteira de tantos outros casos polêmicos que já venderam e renderam muito nos meios de comunicação. Ocorre que, uma das causas dessa desinformação é causada pela forma fragmentada que as notícias chegam aos leitores. Uma pequena parcela da realidade é colhida e noticiada. Generalização e desinformação são as conseqüências.

No caso do ECAD, logo que foram publicados nos principais veículos de comunicação alguns pequenos prismas do que vem ocorrendo no mundo dos direitos autorais, os leitores, às vezes alheios a questão dos direitos autorais, tomaram aquelas informações como verdadeiras, sem, contudo, pensar no que está por detrás das pretensões daqueles que instauraram esta CPI e dos que vem publicando falsas verdades, em prismas. Ocorre que, os fragmentos publicados sobre o mundo dos direitos autorais é algo bem diverso da complexidade que compreende o todo.

Nas entrelinhas desta CPI, encontram-se questões basilares de nossa República Federativa, ou seja, a propriedade privada,  a livre iniciativa,  a não intervenção do Estado, etc. Aos que não perceberam, um dos pontos chaves desta CPI é destituir os artistas, proprietários de suas obras, do direito constitucional que lhes assiste: fixar o valor de suas obras. Importa ressaltar, caso as pretensões da CPI sejam acolhidas e colocadas em práticas, quem irá exercer os direitos autorais pelo artista será o Estado. Este, através de Ministérios e Autarquias, criadas especialmente para este fim, é quem irá controlar, fiscalizar e administrar os direitos autorais no Brasil.

Nesta espécie de “comunismo Republicano”, hodiernamente vigente em terrae brasilis, o Direito Constitucional dos artistas de exercerem seus direitos de proprietários de suas obras, que o fazem por intermédio de suas associações que formam o ECAD, passará para as mãos do Estado, que após fixar o valor, fiscalizar, tributar, irá entregar os restos para os seus verdadeiros proprietários. Evidentemente que se trata de uma medida que fere os princípios básicos e norteadores de nossa Republica Federativa, cuja livre iniciativa serve de fundamento.

Entretanto, este fato não parece causar tanto espanto na população. Muito pelo contrário! Conquanto, a progressiva perda de direitos fundamentais para este Estado centralizador e fiscalizador, algo que como um panóptico, nos dizeres de Foucault, aos poucos irá nos conduzir ao extermínio, até o ponto em que a dominação esteja completa. Exagero? Negativo! Por acaso acredita-se que os Nazistas chegaram à Polônia enfileiraram todos os judeus e imediatamente os enviaram para os campos de extermínio, durante a Segunda Guerra Mundial? Não! Eles foram passo a passo perdendo os seus direitos até estarem completamente aniquilados na sua moral e autoestima, até o ponto de caminharem pacificamente para os campos de extermínio. Praticamente sem impor resistência. Primeiro sobrevieram às restrições a frequência de judeus em determinados locais. Depois deveriam ser marcados com uma faixa no braço. Depois a determinação de que os judeus deveriam se mudar para um determinado local - surge o Gueto de Varsóvia, sendo que, logos após, o gueto será cercado - restrições ao trabalho, doenças, fome, condições desumanas de existência, e outras crueldades. A dominação estava completa.

Em terrae brasilis, progressivamente vai se perdendo a capacidade de indignação. As maiores atrocidades são cometidas em nome do Estado de Direito e ninguém se importa com isso! Todos estão domesticados. Na iminência de se perder para o Estado o Direito à propriedade privada, a sensação daqueles que defendem os direitos autorais, é de que ninguém se importa, até apóiam. Logo, logo a dominação estará completa...

Por isso, urge maiores reflexões nas notícias divulgadas, pois a análise fragmentada da questão da CPI do ECAD, acolhendo-se de forma acrítica os prismas que vêm estampados na mídia, pode acabar se tornando uma arma criadora de uma falsa realidade. Expor à verdade um olhar mais acurado e crítico para esta problemática é um dever de todo o cidadão brasileiro.

Maurício Brum Esteves

quarta-feira, 14 de março de 2012

Homoafetividade e o combate ao fraco discurso da natureza humana



Diz-se que o Direito regula a sociedade. Discordo! O Direito constrói, cria a sociedade. O Poder Judiciário interpreta e carrega de valores os preceitos emanados pelo Poder Legislativo e constrói uma determinada realidade, em um determinado período de tempo. De natural, não possui nada.
Os ensinamentos da física quântica já nos dão cabo de que as interações de uma pessoa com um objeto é suficiente para alterar suas características. Ou seja, o próprio observar, pelo simples ato de observar, acaba recriando o objeto. Assim também ocorre com a sociedade. Cada período histórico é (re)criado pelas regras que são observadas naquele determinado período.
A sociedade, nos moldes que conhecemos atualmente, foi construída a partir do Renascimento e do Iluminismo. Principalmente no que tange ao Direito de Família, todos os conceitos que hoje podem ser alegados, pelos mais conservadores, como "naturais", não passam de criação do homem, em um determinado período da história.
O paradigma de uma família formada por um homem e uma mulher, sob os auspícios do sagrado casamento, patriarcal e hierarquizada, encontra sua gênese na modernidade. Curioso notar, neste sentido, que a Codificação civil que serviu de modelo para o Código Civil brasileiro de 1916, em grande parte mantida pela codificação civil de 2002, encontra sua origem na modernidade, mais precisamente na França revolucionária do final do século XIX.
Em que pese alguns cientistas do Direito, ainda, se esforcem para buscar a partícula fundamental e indivisível do que representaria a natureza humana, conceituando juridicamente o homem e suas relações – e, consequentemente, excluindo todo aquele que não se encaixe nos conceitos - a constatação da complexidade torna esta tarefa uma utopia. Esta suposta natureza humana não passa de um discurso totalitário para impor, a partir do fraco argumento do Direito Natural e da Tradição, um modelo de sociedade absolutamente incongruente com os dias atuais.
Quando o público homossexual foi, progressivamente, ganhando espaço no Poder Judiciário, tendo seus Direitos reconhecidos na qualidade de cidadãos brasileiros, protegidos pela Constituição Federal pátria, uma enxurrada de juristas começou a criticar esta avançada corrente jurisprudencial, que resolveu dar um passo adiante e garantir a todos os brasileiros os mesmos direitos, independentemente de orientação sexual.
Encontrar exemplos destes juristas não é uma missão muito difícil. Há pouco, e.g., foi publicado no editorial do Jornal Zero Hora desta segunda feira, dia 12 de março de 2012, um artigo criticando a decisão dos juízes em conceder a adoção de uma criança para um casal homossexual, sob o fundamento de que esta decisão contraria a tradição e a natureza humana. Afirma o autor, que uma criança tem o direito de ser criado por um pai e uma mãe.
Este pequeno exemplo é apenas mais um entre muitos, que se valem do fraco discurso da natureza humana para criticar as relações homossexuais e os demais direitos que, com muito sangue e suor, foram conquistados pelo público gay perante o Poder Judiciário que, aliás, vem suprindo uma tremenda omissão do Poder Legislativo, que insiste em não aprovar qualquer lei que assegure a proteção aos direitos do público gay.
Por fim, cumpre salientar que a posição deste Blog sempre foi no sentido da desnecessidade de uma legislação ordinária para garantir eficácia aos Direitos do público gay. Entretanto, já estamos mudando de ideia! Para facilitar o diálogo com os "amantes da lei", já estamos considerando a possibilidade de que se tornando Lei, os Direitos Homoafetivos também possam desfrutar da alcunha "Natural"! Ou será que mesmo assim não se encaixariam neste conceito?  
*Por Maurício Brum Esteves

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

"A divisão da fortuna" - Espaço Vital


Trata-se de uma matéria publicada no site do Espaço Vital, na parte das "Pérolas Processuais". Realmente, é por essas e outras que os processos se eternizam e não pelo excesso de recursos, como supõe o Ministro Peluso.

A divisão da "fortuna" 

(17.02.12)


O interessante saite Migalhas publica, no relato do advogado carioca Francisco Fabiano Mendes (OAB-RJ nº 25.872) incomparável pérola. Seu relato:

"O Poder Judiciário é surpreendente, em sua incapacidade para resolver problemas, mesmo os de pequeníssima monta. Exemplifico e comprovo com documentos:  em representação de cliente, movi ação contra o Estado do Rio de Janeiro, Detran e Funderj, em abril de 2005. Obtive êxito e os réus foram condenados a pagar ao cliente (idoso, magistrado aposentado) a quantia de R$ 542,05. 
 
A pretexto de que tal "fortuna" deveria ser rateada pelos três réus, o Estado do Rio de Janeiro pediu à magistrada da 9ª Vara de Fazenda Pública que fossem emitidas três guias de pagamento. Sua Excelência, tendo sérias dúvidas em dividir R$ 542,05 por três, mandou os autos ao contador (!), que agora exige R$ 111,02 e alguns acréscimos, para tornar certo que cada um dos réus deve pagar R$ 542,05 dividido por 3 = R$ 180,68. 
 
É por essas e outras que os processos se eternizam (esse já dura sete anos, com potencial para  muito mais) e não pelo excesso de recursos, como supõe o ministro Peluso".

* Fonte: Espaço Vital

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Totalitarismo, hoje?

A história de uma guerra é contada pela parte vencedora. Quando esta guerra, em grande parte, se confunde com a própria história de um povo, marcando o fim de uma grande ilusão chamada Modernidade, é melhor escolher bem a fonte! Claro que estamos eternamente em débito com este grande período histórico, que se inicia com a Revolução Francesa, quiçá com o Renascimento, e finda com a II Guerra Mundial, o Holocausto e com a Eugenia.
A despeito de se apontar um fim para a Modernidade, em termos epistemológicos, para marcar formalmente o fim de um período, não chega a ser prejudicial. Entretanto, afirmar o fim dos procedimentos totalitários que marcaram a II Guerra Mundial beira o sarcasmo! A negação disto é sua maior prova. A resistência em aceitar a lição do Holocausto, percebe-se das tentativas de marginalizar este evento sangrento como um episódio único na história. Esta cegueira busca marginalizar o crime e isentar a modernidade, interpretando o Holocausto como um singular fato histórico.
O costume é criticar os resultados daquela sangrenta cruzada Nazista, liderada por Hitler. Entretanto, as causas e as ideologias que deram margem a tais acontecimentos são em algumas situações veladas, e noutras colocadas em práticas, pelos mesmos que o criticam, ora sob outro disfarce.
Conforme assinala Z. Bauman[1], a visão Nazista não destoava da audaciosa autoconfiança moderna, apenas colocou em prática os ideias desenvolvidos pela Modernidade. Prova disto, é que nos anos 30, a Revista americana Times além de eleger Adolf Hitler o “Homem do Ano”, distinguiu a Alemanha paradigma de Estado Civilizado.
Todo o manancial teórico exigido para o Holocausto era encontrado nos livros de Biologia e Medicina da época. O ideal da pureza não foi uma criação do Nazismo, muito pelo contrário, a eugenia foi defendida simultaneamente em vários países europeus!! Foi uma tentativa de controlar cientificamente a estirpe humana, um programa de saúde. Vinte e cinco estados americanos se valeram de leis eugênicas de esterilização entre 1907 e 1930. Na Alemanha, duas semanas após a ascensão de Hitler, em 14 de julho 1933, foi promulgada uma lei de "prevenção da descendência hereditariamente doente"!!
No Direito não é diferente. A pureza, e.g., fora almejado tanto por Hitler quanto por Hans Kelsen, que desenvolveu uma Teoria Pura do Direito a fim de purificar o conhecimento jurídico “de todos os elementos que lhe são estranhos”[2]. Isto não é coincidência, mas influência paradigmática.
Os atrozes acontecimentos que chocaram o mundo, durante a II Guerra Mundial, representam os resultados de um Projeto Moderno que evidentemente não logrou sucesso! Conforme Bauman, "se o Holocausto deixou uma única lição, é a de que não há absolutamente limite para as obscenidades que um agressor decidido e poderoso pode livremente cometer contra vítimas sem poder, sem Estado"[3].
Tratando-se de Brasil, e de Direito, porque é que não existia casamento Homossexual no Brasil até meados de 2011? Outra questão, por que até 1990, não obstante a Constituição Federal de 1988 em plena vigência, a jurisprudência ainda taxava os filhos havidos fora do casamento de espúrios, bastardos e ilegítimos? Apenas em 1962 as mulheres passaram a existir, de modo autônomo, no mundo jurídico, equiparadas a uma empregada doméstica, pois tinham direito a indenização por serviços domésticos!!
Isto em um ambiente familiar! O que se falar dos direitos de propriedade em uma favela! Existe algum direito que suba o morro? Inúmeras relações jurídicas taxadas de inexistentes!! Sem proteção do Estado. E quem não existe para o direito fica abandonado, no sentido aplicado por Giorgio Agamben[4], que quer dizer, fora do bando soberano que (im)põe o direito!
Quem não está no bando está a bando(ano) ou in bando que em Italiano quer dizer tanto "à mercê dê" quanto "a seu talento, livremente", bem como bandido quer dizer tanto "excluido, posto de fora" quanto "aberto a todos, livre".
Utilizando o radical da palavra que dá origem as formas supra citadas (bando), interessante notar, cf. G. Agamben, que "fontes germânicas e anglo-saxônicas sublinham o bandido (posto de fora do bando) como o werwolf, wargus, loup garou"[5], lobisomem: meio homem e meio lobo, mas nem um nem outro! O indeterminável.
Se conforme Hobbes "homo hominis lupus", "o homem é o lobo do homem", reparando-se aqui que lobos vivem em forma de bando, o próprio nascimento do Estado Moderno, em prol da Ordem e das Liberdades, busca a humanização do Lobo, capaz de viver em sociedade. Quem são os excluídos, desprotegidos, banidos?
Atentando-se à alusão feita com lobos, cumpre observar que durante a Guerra Fria os comunistas eram equiparados às feras terríveis comedores de criancinhas. Na tentativa de exorcizar Hitler e espiar a modernidade de toda sua culpa com a humanidade, no ano de 2011, durante o Fórum Social Mundial, Hitler fora chamado de comunista!
Quem não se torna Sujeito de Direito vive a exclusão de uma vida desprezível ao Estado!! O seu destino é uma favela ou um campo de concentração, lugar este que representa uma lacuna para um Direito e uma Política estatal que ainda permanece arraigada a ideologias modernas.
Em 2011, ainda, surgiu no Congresso Nacional um projeto de lei para tornar impotentes os reincidentes em delitos de estupro! Não se trata de uma medida eugênica?
Também em 2011, foi publicada na impressa uma noticia de que os americanos ainda fazem testes de medicamentos em seres humanos condenados à prisão, assim como o Terceiro Reich fazia com os Judeus!
A questão que resta é: quem serão os próximos ao campo...

BIBLIOGRAFIA
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. Tradução de Henrique Burigo. 2a ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Ambivalência, tradução Marcus Penchel. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. – 7a Ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2006.


[1] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. p 38.
[2] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. p.1
[3] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. p 43.
[4] AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I.
[5] AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I. p. 178.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

O Estatuto da Diversidade Sexual




Desde que foi proposto, e começou a ser elaborado por parte de juristas brasileiros de grande destaque nacional e internacional, o Estatuto da Diversidade Sexual, cujo anteprojeto permanece em discussão, vem sendo orgulhosamente ostentado como a solução para o preconceito e discriminação que ainda pairam sob a população homossexual, impedindo-os de gozar dos mesmos direitos civis e constitucionais garantidos a todos os brasileiros. Ocorre que, na mesma medida em que a proposta possui grande mérito em aumentar a discussão jurídica entorno de tão importante problemática, peca pelo reducionismo e excesso de pragmatismo com que trata de tão complexa questão.
A criação deste microssistema normativo, especial para o público homossexual, não passará de um subterfúgio legal para contornar, ao invés de enfrentar na sociedade e nos Tribunais, o ranço de preconceito e discriminação que ainda existem contra os homossexuais. Tecnicamente falando, uma lei possui duas características fundamentais: geral e abstrata. Isto significa que ela apenas preceitua comportamentos que passarão a ser adotados - hipoteticamente -  por todos, impingindo pena, em alguns casos, para aqueles que a descumprirem.
No Brasil, uma legislação é promulgada, normalmente, na tentativa de normalizar um comportamento pouco adepto na sociedade, mas que se gostaria passar a ser o usual. Neste sentido, questiona-se: se existisse respeito pelos homossexuais, existira a necessidade de uma legislação obrigando a população a respeitá-los? Não! A aparente necessidade desta Lei é para buscar a mudança de um comportamento que eticamente não é mais aceitável, mas infelizmente ainda se encontra em voga. Mais uma pergunta: este problema é causado pela legislação que é falha ou pelos intérpretes desta legislação? A Lei é preconceituosa ou seus intérpretes é que o são?
Em uma atenta análise dos cento e onze artigos, espalhados ao longo dos dezoito capítulos do Estatuto, percebe-se, claramente, que este não obrou grandes inovações, já que grande parte do seu conteúdo já se encontra, de modo direto ou indireto, no texto da Constituição Federal de 1988, ou mesmo já foram consagrados pela mais arejada jurisprudência pátria: adoção, união estável e casamento, e.g. Outros Direitos previstos pelo Estatuto, tais como saúde, previdência, educação, trabalho, moradia, já são garantidos a todos os brasileiros, sem se cogitar qualquer espécie de discriminação.
Muito embora grande parte das previsões constitucionais que o estatuto se limitou a reproduzir já terem sido alvo de vitórias na sociedade e nos tribunais, porque razão, então, alguns destes direitos nunca foram respeitados e aplicados? Precisará uma lei ordinária repetir os preceitos constitucionais para lhe trazer eficácia? Não! A promulgação de uma lei não é significado de sua correspondente aplicação e cumprimento. A necessidade de uma lei para ordenar que os Direitos dos Homossexuais sejam respeitados corresponde a afirmar que estamos diante de um público que não pode gozar dos mesmos direitos civis que o resto dos brasileiros, razão pela qual precisam de um microssistema normativo para lhes assistir! O que seria um tanto quanto falso, já que, como vimos, a Constituição Federal e a mais arejada jurisprudência nacional já preveem um sistema jurídico na qual esteja em seu âmago o respeito pela dignidade da pessoa humana como fundamento da própria República!
Não precisamos de Leis, mas de pessoas conscientes e que estejam a fim de "fazer a coisa acontecer". Operadores do direito que, com auxílio da Carta Magna, modifiquem a jurisprudência pátria. Cidadãos que reconheçam, no íntimo de suas existências, a igualdade de todos perante a lei. Afinal, uma lei não passa de uma tentativa de descrever o comportamento social.  Mas a lei nunca passará de um simples mapa, cujo objetivo é desenhar o homem em toda a sua complexidade.
Neste sentido, importante é não perder a noção do que é mapa e do é território. O mapa deve ser desenhado conforme a formação geológica do território que busca descrever. Assim, e.g: se decidirmos desenhar um mapa do Brasil fazendo fronteira com os Estados Unidos, a formação geológica não irá se alterar segundo as diretrizes do mapa, pois outro é o território. Assim ocorre com a Lei. Se existe a vontade de se respeitar os direitos dos homossexuais, cuja previsão constitucional já existe, não será necessário promulgar lei alguma. Se esta vontade não existe, a lei será inócua. A verdadeira mudança está em nós! Em cada cidadão brasileiro e sua vontade de fazer valer os direitos de todos, pois vivemos em um Estado Democrático de Direito, cujo bem-estar geral é a principal garantia de vivermos em uma sociedade cada vez mais justa, igual e solidária.
Tratando-se do Direito nos Tribunais, cumpre advertir que um discurso jurídico sólido e consistente não se faz com leis, mas com decisões e mudanças de paradigmas jurisprudencias, cujo epicentro normativo deve se encontrar na Constituição Federal. Caso seja aprovado e promulgado, o Estatuto normalizará os homossexuais em um Direito "especial", um microssistema fora do sistema jurídico - que permanecerá carregado dos antigos preconceitos. Embora não passe de um eco distante da Constituição Federal, para os juristas mais tradicionais, o Estatuto da Diversidade Sexual garante uma fatia deste enorme bolo chamado Direito Privado a um público antes excluído.  A luta fica para trás, dando espaço a um conforto que  não corresponderá a realidade da população homossexual.
*Por Maurício Esteves