quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Totalitarismo, hoje?

A história de uma guerra é contada pela parte vencedora. Quando esta guerra, em grande parte, se confunde com a própria história de um povo, marcando o fim de uma grande ilusão chamada Modernidade, é melhor escolher bem a fonte! Claro que estamos eternamente em débito com este grande período histórico, que se inicia com a Revolução Francesa, quiçá com o Renascimento, e finda com a II Guerra Mundial, o Holocausto e com a Eugenia.
A despeito de se apontar um fim para a Modernidade, em termos epistemológicos, para marcar formalmente o fim de um período, não chega a ser prejudicial. Entretanto, afirmar o fim dos procedimentos totalitários que marcaram a II Guerra Mundial beira o sarcasmo! A negação disto é sua maior prova. A resistência em aceitar a lição do Holocausto, percebe-se das tentativas de marginalizar este evento sangrento como um episódio único na história. Esta cegueira busca marginalizar o crime e isentar a modernidade, interpretando o Holocausto como um singular fato histórico.
O costume é criticar os resultados daquela sangrenta cruzada Nazista, liderada por Hitler. Entretanto, as causas e as ideologias que deram margem a tais acontecimentos são em algumas situações veladas, e noutras colocadas em práticas, pelos mesmos que o criticam, ora sob outro disfarce.
Conforme assinala Z. Bauman[1], a visão Nazista não destoava da audaciosa autoconfiança moderna, apenas colocou em prática os ideias desenvolvidos pela Modernidade. Prova disto, é que nos anos 30, a Revista americana Times além de eleger Adolf Hitler o “Homem do Ano”, distinguiu a Alemanha paradigma de Estado Civilizado.
Todo o manancial teórico exigido para o Holocausto era encontrado nos livros de Biologia e Medicina da época. O ideal da pureza não foi uma criação do Nazismo, muito pelo contrário, a eugenia foi defendida simultaneamente em vários países europeus!! Foi uma tentativa de controlar cientificamente a estirpe humana, um programa de saúde. Vinte e cinco estados americanos se valeram de leis eugênicas de esterilização entre 1907 e 1930. Na Alemanha, duas semanas após a ascensão de Hitler, em 14 de julho 1933, foi promulgada uma lei de "prevenção da descendência hereditariamente doente"!!
No Direito não é diferente. A pureza, e.g., fora almejado tanto por Hitler quanto por Hans Kelsen, que desenvolveu uma Teoria Pura do Direito a fim de purificar o conhecimento jurídico “de todos os elementos que lhe são estranhos”[2]. Isto não é coincidência, mas influência paradigmática.
Os atrozes acontecimentos que chocaram o mundo, durante a II Guerra Mundial, representam os resultados de um Projeto Moderno que evidentemente não logrou sucesso! Conforme Bauman, "se o Holocausto deixou uma única lição, é a de que não há absolutamente limite para as obscenidades que um agressor decidido e poderoso pode livremente cometer contra vítimas sem poder, sem Estado"[3].
Tratando-se de Brasil, e de Direito, porque é que não existia casamento Homossexual no Brasil até meados de 2011? Outra questão, por que até 1990, não obstante a Constituição Federal de 1988 em plena vigência, a jurisprudência ainda taxava os filhos havidos fora do casamento de espúrios, bastardos e ilegítimos? Apenas em 1962 as mulheres passaram a existir, de modo autônomo, no mundo jurídico, equiparadas a uma empregada doméstica, pois tinham direito a indenização por serviços domésticos!!
Isto em um ambiente familiar! O que se falar dos direitos de propriedade em uma favela! Existe algum direito que suba o morro? Inúmeras relações jurídicas taxadas de inexistentes!! Sem proteção do Estado. E quem não existe para o direito fica abandonado, no sentido aplicado por Giorgio Agamben[4], que quer dizer, fora do bando soberano que (im)põe o direito!
Quem não está no bando está a bando(ano) ou in bando que em Italiano quer dizer tanto "à mercê dê" quanto "a seu talento, livremente", bem como bandido quer dizer tanto "excluido, posto de fora" quanto "aberto a todos, livre".
Utilizando o radical da palavra que dá origem as formas supra citadas (bando), interessante notar, cf. G. Agamben, que "fontes germânicas e anglo-saxônicas sublinham o bandido (posto de fora do bando) como o werwolf, wargus, loup garou"[5], lobisomem: meio homem e meio lobo, mas nem um nem outro! O indeterminável.
Se conforme Hobbes "homo hominis lupus", "o homem é o lobo do homem", reparando-se aqui que lobos vivem em forma de bando, o próprio nascimento do Estado Moderno, em prol da Ordem e das Liberdades, busca a humanização do Lobo, capaz de viver em sociedade. Quem são os excluídos, desprotegidos, banidos?
Atentando-se à alusão feita com lobos, cumpre observar que durante a Guerra Fria os comunistas eram equiparados às feras terríveis comedores de criancinhas. Na tentativa de exorcizar Hitler e espiar a modernidade de toda sua culpa com a humanidade, no ano de 2011, durante o Fórum Social Mundial, Hitler fora chamado de comunista!
Quem não se torna Sujeito de Direito vive a exclusão de uma vida desprezível ao Estado!! O seu destino é uma favela ou um campo de concentração, lugar este que representa uma lacuna para um Direito e uma Política estatal que ainda permanece arraigada a ideologias modernas.
Em 2011, ainda, surgiu no Congresso Nacional um projeto de lei para tornar impotentes os reincidentes em delitos de estupro! Não se trata de uma medida eugênica?
Também em 2011, foi publicada na impressa uma noticia de que os americanos ainda fazem testes de medicamentos em seres humanos condenados à prisão, assim como o Terceiro Reich fazia com os Judeus!
A questão que resta é: quem serão os próximos ao campo...

BIBLIOGRAFIA
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. Tradução de Henrique Burigo. 2a ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Ambivalência, tradução Marcus Penchel. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. – 7a Ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2006.


[1] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. p 38.
[2] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. p.1
[3] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. p 43.
[4] AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I.
[5] AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I. p. 178.

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