segunda-feira, 29 de abril de 2013

“Sebo digital” é condenado por violação de direitos autorais


É possível que arquivos de música digital, legalmente adquiridas, sejam revendidos pelo seu proprietário, em sítios eletrônicos especializados? Segundo entendimento proferido pelo juiz federal Norte Americano, Richard J. Sullivan, na demanda envolvendo “Capitol Records v. ReDigi”, a resposta é não!
Conforme é sabido, um dos maiores desafios para a indústria da música, na contemporaneidade, tem sido o de se adaptar ao novo mercado da música digital, e aos ditames impostos pelos novos hábitos dos consumidores de áudio e vídeo, que com o advento das novas tecnologias em mídia, comunicação e entretenimento, vem sofrendo drásticas mudanças.
É neste contexto, portanto, que se insere uma recente discussão, travada perante um tribunal federal Norte Americano, do distrito de Nova York, entre a empresa fonográfica “Capitol Records” e o sítio eletrônico “ReDigi”, que se intitula como o primeiro mercado para revenda de músicas digitais usadas – “the world’s first and only online marketplace for digital used music”.
Segundo consta na decisão, em 13 de outubro de 2011, o sítio eletrônico “ReDigi” inaugurou sua página na internet, convidando os usuários a (re)vender seus arquivos de músicas digital, desde de que legalmente adquiridos, bem como adquirir outros, pela fração do preço disponível no iTunes.
Com suporte no Copyright Act 17 U.S.C. § 101, a empresa “Capitol Records”, autora da ação, e detentora dos direitos autorais de algumas obras negociadas no sítio eletrônico “ReDigi”, argumenta que o serviço viola seus direitos autorais de reproduzir, distribuir e executar publicamente, com exclusivamente, as obras protegidas.
Em contrapartida, a “ReDigi” alega que, como advento da primeira venda, opera-se a exaustão do direito patrimonial de distribuição das obras musicais por parte do titular do direito – first sale doctrine –, razão pela não haveria qualquer infração a Direitos Autorais.
Asseverou, ainda, que as obras musicais negociadas em seu sítio eletrônico são licenciadas, e que na transação se opera a total transferência do arquivo de música entre os usuários, não permanecem à disposiçãode ambosapós a venda, mas, apenas, parao usuário adquirente.
No entendimento do juiz federal Richard J. Sullivan, entretanto, a doutrina do first sale doctrine, é inaplicabilidade aos casos envolvendo a transferência de músicas digitais, conforme o caso em comento.
Em sua fundamentação, argumenta que, na realidade, a “ReDigi” não (re)distribui os arquivos de músicas, mas sim, a reproduções destes arquivos de musicas, fixadas em novos meios, in casu, no servidor da “ReDigi” no Arizona e nos discos rígidos dos usuários.
Em sendo assim, partindo do pressuposto de que a “reprodução” é um direito exclusivo do titular do Direito Autoral sob a obra, e que a “(re)distribuição” de obras musicais no sítio eletrônico “ReDigi” implica na “reprodução” não autorizada das obras, o juiz federal Norte Americano concluiu que os Direitos Autorais da “Capitol Records” estão sendo violados pela “ReDigi” e o serviço de “revenda de músicas digitais usadas”.
Para acessar a decisão: Capitol Records v. ReDigi
*Por Maurício Brum Esteves

sábado, 27 de abril de 2013

Cobrança descentralizada de direito autoral gera caos


Por Maurício Brum Esteves
Artigo publicado em Revista Consultor Jurídico, 24 de abril de 2013

Na última quinta-feira, 18 de abril de 2013, o sítio eletrônico do Consultor Jurídico publicou um artigo, de autoria de Pedro Szajnferber de Franco Carneiro e Thomas George Macrander, denominado Associações podem processar Ecad por perdas e danos.
Com suporte em um título que, por si só, nos causa estranheza, em razão da nítida incitação ao ajuizamento de ações judiciais, os autores do texto ao abordarem a recente decisão do Cade, que condenou o Ecad e Associações filiadas por práticas anticoncorrenciais — PA 08012.003745/2010-83 —, propõem que “empresas e associações que foram afetadas por tais práticas nos últimos anos, pagando um sobrepreço em relação ao que lhes deveria ser cobrado se vigorasse um ambiente de livre concorrência, poderão ingressar em juízo com ações individuais ou coletivas para reclamar do Ecad e suas associações tal diferença”.
Frise-se que a mencionada estranheza não se dá, apenas, pela desnecessária incitação pública ao ajuizamento de ações judiciais, mas, principalmente, pelo fato de tal pretensão afrontar (I) a previsão constitucional inserta no artigo 5º, XVIII, da CF/88, que confere aos autores o direito de estabelecer o valor a ser atribuído às suas criações musicais; bem como de encontro (II) à decisão judicial, proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em sede do julgamento da ADI 2.054-DF, que, ao declarar a constitucionalidade do artigo 99 e parágrafo 1º, da Lei 9.610/1998, reconheceu a plena legitimidade do Ecad em arrecadar e distribuir, de forma unificada, os direitos autorais no Brasil.
Imperioso destacar, por oportuno, que a recente decisão do Cade vai de encontro, inclusive, a entendimento pretérito deste mesmo órgão, proferidas, respectivamente, nos anos de 1995 (PA 08000.11187/95-15) e 1997 (PA 08000.002511/97-19).
Conforme restou estabelecido no processo administrativo referente ao ano de 1995: “Embora a atividade de arrecadação e distribuição de direitos envolva elementos econômicos, até porque, em última análise, estão envolvidos valores monetários e custos de administração e organizacional, não é uma atividade empresarial (…). O CADE apenas pode se manifestar em casos em que a atividade empresarial é reconhecida (…)”. (PA 08000.11187/95-15).
Dois anos mais tarde, em 1997, a incompetência do Cade para fiscalizar as atividades do Ecad seria ratificada, sob o mesmo argumento de que arrecadar e distribuir direitos autorais não é atividade de natureza econômica, já que a música não pode ser caracterizada como um bem de consumo a ser ditado pelas regras de concorrência.
Destarte, cediço de que o Cade apenas pode se manifestar em casos em que a atividade empresarial é reconhecida, restou definitivamente decidido, no ano de 1997, que a “matéria é estranha ao direito concorrencial, não havendo mercado relevante, pois direitos autorais não se tratam de mercadorias”. (PA 08000.002511/97-19)
Vê-se, portanto, conforme restou amplamente sedimentado nos anos 90, que o Ecad não exerce atividade econômica, uma vez que sequer possui finalidade lucrativa, atuando apenas como mandatário dos autores de músicas, inexistindo, por via de conseqüência, qualquer atividade empresarial, muito menos de caráter anticoncorrencial.
Portanto, nos causa espécie o fato de que os autores, amparados em uma decisão atípica do Cade, que, aliás, não possui qualquer força jurisdicional para regular o Direito pátrio, vir à tona incitar o ajuizamento de ações judiciais, ressuscitando uma temática que, nos anos 90, restou absolutamente sedimentada no ordenamento jurídico brasileiro, amparada, inclusive, pelo Supremo Tribunal Federal.
Demais a mais, importante lembrar que o sistema de arrecadação e distribuição de direitos autorais, através de um órgão centralizado, foi um imperativo criado, justamente, para dirimir o caos em que se encontrava a situação na década de 60, com mais de 10 (dez) associações arrecadando e recolhendo direitos autorais, de forma confusa e desconexa. (STF ADI 2.054 apud Nehemias Gueiros Jr., in Direito Autoral no Show Business, Ed. Gryphus. Volume I – A música, 1999, pág. 437/438).
Neste norte, fica evidente, conforme a experiência brasileira nos indica, que em se tratando de direitos autorais, a convivência pulverizada de associações, paralelamente arrecadando e cobrando dos usuários de música não pode ser entendido como um mercado competitivo. Muito pelo contrário, a diversidade de entidades na arrecadação é que criaria o desmantelamento do sistema de arrecadação de direitos autorais, podendo causar, entre outros problemas, cobranças em duplicidade e deficiência na fiscalização.
Ainda neste contexto, imperioso transcrever lúcido voto proferido pelo Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento da ADI 2.054/DF, in verbis:
“Assim, com a arrecadação descentralizada, surgiram graves problemas no controle da concessão de autorização, para que fossem utilizadas em público, obras musicais, lítero-musicais e de fonogramas, posto que com a pluralidade de associações arrecadadoras, cada uma defendia os interesses de seus associados, dificultando o controle dos valores arrecadados, permitindo que diversos usuários fossem cobrados, duas ou mais vezes, em face de uma única utilização das obras administrativas”.
Neste viés, percebe-se que a descentralização da arrecadação e distribuição dos direitos autorais, além de ferir à Constituição Federal, e à sedimentada jurisprudência pátria, representa um retrocesso que devolverá o Brasil ao “caos” experimentado nos anos 60.
Na mesma esteira, importante destacar que no próprio julgamento do PA 08012.003745/2010-83, o Ministério Público Federal, que, em razão da sua autonomia funcional goza de plena liberdade argumentativa, apresentou parecer asseverando que a aplicabilidade ao Ecad da lógica concorrencial é (I) juridicamente impossível; (II) geraria insegurança jurídica para os autores na fiscalização do cumprimento de todos os requisitos para a utilização da obra e seus respectivos aproveitamentos econômicos, agravando a hipossuficiência; (III) partiria do pressuposto falacioso de que as associações concorrem entre si.
Conforme ora restou elucidado, a recente decisão do Cade viola toda a construção jurídica exarada desde os anos 70, sendo certo, ainda, que em razão de seu conteúdo desfocado da realidade, afronta os princípios basilares da gestão coletiva de direitos autorais, e a própria efetividade da proteção constitucional aos direitos autorais, que de forma competente vem sendo desempenhada pelo Ecad.
Ademais, no mínimo causa espanto ver advogados, que em razão da nobre atividade exercida deveriam preservar o Direito e as Instituições, venham a público incitar o ajuizamento de ações que gozam de tão escasso — quiçá inexiste — fundamento jurídico.
Por fim, insta grifar que a fixação do valor do direito autoral é uma prerrogativa do próprio titular da obra, conforme prevê a própria Constituição Federal. Ninguém mais, além do autor da obra, possui a prerrogativa de fixar o valor do direito autoral. Portanto, causa espanto a afirmação dos autores do comentado artigo, no sentido de que as empresas que pagaram o “sobrepreço” em relação ao que lhes “deveria ser cobrado”, poderão ingressar em juízo para reclamar do Ecad e suas associações tal diferença.
Indaga-se, neste norte: qual é o valor que “deveria ser cobrado”, conforme pretendem os autores do texto, se não aquele fixado pelo próprio autor da obra, através do Ecad? Quem, além do autor, teria a prerrogativa de fixar o preço do direito autoral?
Até que o Brasil sofra uma reforma legislativa ou que o Supremo Tribunal Federal modifique seu entendimento, o valor do Direito Autoral deverá ser fixado, única e exclusivamente, pelo autor da obra, independente de qualquer entendimento proferido pelos demais Poderes do Estado.
Importante ter em mente que, ao contrário do que ocorre com as matérias afetas à Propriedade Industrial, o Direito Autoral e as obras por ela protegidas não podem ser tratadas como mercadorias passíveis de serem barganhadas no “mercado do Direito Autoral”. E, mesmo nesta fantasiosa hipótese, se no “mercado do direito autoral” estivéssemos, não precisaríamos de muitas digressões hermenêuticas para constatar a flagrante hipossuficiência dos autores das obras, em comparação com o segmento econômico que busca sua exploração, bastaria recorrer aos livros de história do Brasil, e retrocedermos aos anos 60.
Por Maurício Brum Esteves
Artigo publicado em Revista Consultor Jurídico, 24 de abril de 2013

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O Direito Autoral e a Indústria do Entretenimento


*Artigo publicado em: http://mariodealmeida.com.br/o-direito-autoral-e-a-industria-do-entretenimento/


O Direito Autoral e a Indústria do Entretenimento


Maurício Esteves*


São os direitos autorais que fortalecem a indústria da música, em sendo assim, uma indústria fortalecida é sinônimo de cultura, educação e riqueza.
  
O público leitor do Blog da Mário de Almeida Marcas e Patentes irá sentir, na data de hoje, uma sutil diferença na temática desta postagem. Isso porque, convidado pelo Dr. Jatyr Ranzolin, querido amigo e parceiro de pesquisas em sede de Propriedade Intelectual, para publicar este artigo, optei em abordar um tópico sensível na Propriedade Intelectual: os Direitos Autorais e sua relação com a Indústria do Entretenimento.

Justifico a escolha do tema: na condição de profissional que atua na área de PI- Propriedade Intelectual, a sensação é a de que os direitos de Propriedade Intelectual, mormente os Direitos Autorais, estão em voga. Em outras palavras, viraram pop. O problema é que, o súbito interesse da sociedade por estes Direitos (de Autor e Conexos) não se encontra no mesmo compasso da busca pelo conhecimento a que dizem respeito os Direitos Autorais.

Há pouco tempo, mal se falava sobre Direitos Autorais! O desconhecimento sobre o assunto era completo, pois parecia algo distante, difícil de precificar, e que não dispunha de qualquer valor econômico. Por este motivo, não foram poucos os artistas e escritores que, no passado, sem pestanejar, cederam - parcial ou integralmente - seus Direitos Autorais para gravadoras, produtoras e editoras.

Para melhor esclarecer, vou exemplificar a prática dos escritores visando à publicação de suas obras. Mais comum que se pensa, eles cediam integralmente seus Direitos Autorais às editoras e, ainda, aceitavam fazer palestras e discursos gratuitos, a troco de uma simples publicação na imprensa de algo que tinha sido criado por eles mesmos.

Neste cenário, o que se percebe é que o ato da perda de seus Direitos Autorais não os afetava. Tudo estava dentro da normalidade!

Com os músicos a situação não se difere. Para gozar dos privilégios de poder contar com uma assessoria profissional capaz de gravar, editar e distribuir sua obra musical, o artista é submetido a formas contratuais que, não raras vezes, importam na cessão - total ou parcial - dos seus Direitos Autorais, em prol da Gravadora.

Entretanto, convém destacar que, ressalvadas as hipóteses de excessos contratuais e suas cláusulas abusivas, esta prática é usual no meio artístico e cultural. Tratam-se dentro da normalidade estas espécies de relação jurídica travada entre os artistas, criadores de obras intelectuais e as gravadoras, editoras e produtoras.

Uma celebridade musical ou um autor de best-seller não nascem sozinhos... são fruto de intenso trabalho de inúmeras pessoas que se dedicam para construir aquele personagem e proporcionar as melhores condições para o sucesso deste.

A propósito, não se pode confundir a faceta pessoal (imagem retrato) de uma pessoa, do perfil profissional (imagem constructo) deste artista.

A imagem constructo - que não se identifica com a pessoa natural - é o valor de reconhecimento de celebridade que é natural dos artistas. Aquela faceta, que não é a pessoal e privada daquela pessoa, mas o resultado do trabalho árduo no sentido construir –constructo- uma imagem pública relacionada a alguma atividade artística seja na música, no teatro, no cinema, na literatura, etc.

Portanto, esta imagem constructo do artista é objeto de intenso trabalho de gravadoras e produtoras, cujo trabalho é dedicado para proporcionar melhores condições para esta pessoa que sonha chegar ao mundo das celebridades transformar-se, de repente, em um hit maker.

Contraprestação

O que o senso comum não percebe, entretanto, é que a contraprestação por este trabalho costuma ser proporcional ao êxito com que este novo artista é recepcionado no mercado da música, por exemplo, e a cessão dos Direitos Autorais dos criadores - para as gravadoras e produtoras - tem sido o meio encontrado para equilibrar esta relação contratual.

As formas contratuais e o conteúdo destes acordos entre artistas e gravadoras, editoras e produtoras, costumam se diferenciar de caso para caso, mas o cerne permanece o mesmo: os Direitos Autorais do criador são repassados, parcial ou integralmente, para estas empresas.

Nos últimos tempos, tem-se visto algumas reivindicações públicas de artistas, que, por má-fé, desconhecimento jurídico absoluto ou, inclusive, má orientação, chegam à mídia afirmando nunca terem recebido Direitos Autorais por suas criações, ou então que estas foram cedidas.

Na mesma senda destas reinvindicações, percebe-se uma forte tendência de flexibilizar os Direitos Autorais, tendo à frente estes mesmos artistas que, anteriormente, cederam seus direitos.

Aliás, não parece um tanto quanto óbvio que artistas que tenham cedidos seus Direitos Autorais apoiem uma flexibilização dos Direitos Autorais? Em contrapartida, artistas que ainda sejam detentores dos seus Direitos Autorais apoiem a manutenção do vigente sistema, quiçá uma maior proteção aos seus direitos?

Independente de qualquer discussão a este respeito, que não é o objeto desta postagem, uma coisa é certa: são os Direitos Autorais que fortalecem a indústria da música e uma indústria fortalecida é sinônimo de cultura, educação e riqueza beneficiando toda a população.
  
*Maurício Brum Esteves
Advogado - OAB/RS 84.287
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9536373205346420

*Artigo publicado em: http://mariodealmeida.com.br/o-direito-autoral-e-a-industria-do-entretenimento/


terça-feira, 9 de abril de 2013

Biografias não autorizadas e o Direito das Celebridades


*Artigo publicado em: http://www.piccininiserrano.com.br/blog/


Biografias não autorizadas e o Direito das Celebridades


Tramita no Congresso Nacional um projeto que busca tornar desnecessária a autorização para publicação de biografias de celebridades. Nesta terça-feira, dia 02/04/13, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 393/2011 [1], do deputado Newton Lima (PT-SP), que altera o Código Civil — Lei 10.406/2002 – dando nova redação ao seu artigo 20. O projeto visa a “garantir a liberdade de expressão, informação e o acesso à cultura na hipótese dedivulgação de informações biográficas de pessoa de notoriedade pública ou cujos atos sejam de interesse da coletividade”.
Atualmente, a legislação só permite a divulgação de informações biográficas, de qualquer cidadão, em publicação na forma de livros ou filmes que sejam devidamente autorizados pela pessoa envolvida, ou seus sucessores, bem como nos casos de necessidade da administração da Justiça, ou manutenção da ordem pública.
Caso o projeto seja aprovado, a ausência de autorização passará a não ser fator impeditivo para a publicação de imagens, escritos e informações, cuja finalidade seja biográfica, de pessoa com trajetória pessoal, artística ou profissional de dimensão e notoriedade pública.
Com base na vigente redação do Código Civil, alguns casos notórios, envolvendo a publicação de biografias não autorizadas, se destacam nos Tribunais pátrios, como é o exemplo dos casos envolvendo as biografias não autorizadas de personalidades como o cantor Roberto Carlos; o compositor Vinicius de Moraes; os jogadores de futebol Garrincha e Pelé; e o pintor Di Cavalcanti.
Apesar do nobre objetivo do Projeto de Lei 393/2011, em fomentar a liberdade de expressão e o acesso à cultura, não se pode concordar que as personalidades públicas, entendidas como políticos, esportistas, artistas, entre outros, pelo fato de serem pessoas com trajetórias profissionais e pessoais de destaque, tenham seus direitos de personalidades flexibilizados, a ponto de perderem a gerência sobre as publicações das suas próprias imagens.
Importante frisar, a propósito, ser absolutamente temerário confundir os conceitos de imagem-retrato eimagem-atributo das celebridades, como ocorre na justificação do Projeto de Lei 393/2011, a ponto de se afirmar que a imagem de celebridades tenha se confundido com a sociedade, e, em outros termos, tenha se tornada pública.
Em termos de Direito à Imagem, aliás, a jurisprudência pátria há muito solidificou entendimento no sentido de distinguir a imagem-retrato das celebridades, que é aquela atinente à intimidade da pessoa, em sua vida privada e familiar, daquela que se passou a chamar de constructopersona ou imagem-atributo, que é o conjunto de atributos de uma pessoa identificados no meio social.
Assim, por exemplo:
 “Dessa maneira, podemos afirmar que existem duas imagens no texto constitucional: a primeira, a imagem-retrato, decorrente da expressão física do indivíduo; a segunda, a imagem-atributo, como o conjunto de características apresentados socialmente por determinado indivíduo. (A proteção constitucional da própria imagem, Ed. Del Rey, Belo Horizonte, 1996, p.31)” [2].
Ou seja, a imagem de uma celebridade, conforme a Doutrina e a Jurisprudência atual assinalam, possui, no mínimo, duas vertentes: a imagem como pessoa natural, imagem retrato; e a persona, personagem, imagem constructo ou imagem-atributo.
Conforme assinala Denis Barbosa, a imagem-atributo representa a “exteriorização de um constructo que não se identifica com a pessoa natural”, uma vez que resultante de árduo trabalho no sentido de garantir uma imagem pública notória [3].
Entretanto, a imagem-retrato de uma celebridade, na maioria das vezes, encontra-se no âmbito da privacidade e intimidade desta pessoa, que não deseja ter sua vida exposta ao público, além daquele limite imposto, como um ônus, pela exploração econômica da sua imagem-atributo.
Em todo o caso, a imagem de qualquer pessoa, celebridade ou não, encontra-se no âmbito dos direitos de personalidade da pessoa humana, que são inalienáveis e não passíveis de sofrer limitação, como cláusula pétrea da Constituição Federal.
Não se mostra crível sustentar que uma celebridade não possua gerência sob sua imagem, com base no argumento de que a notoriedade, ou o interesse público, bem como qualquer outro direito fundamental, limite o direito à privacidade e intimidade destas pessoas célebres.
Extrapolando os limites da imagem das celebridades, forçoso reconhecer que qualquer pessoa humana representa diferentes personas em sociedade, vida familiar, profissional, afetiva, etc., cabendo a própria pessoa humana a gerência da sua imagem entre estes diversos âmbitos. Ninguém se resume à sua imagem profissional, mas é formado pelo conjunto destas.
Assim, na condição de direitos de personalidade que são, não se pode concordar com a flexibilização do direito à imagem das celebridades, como se a notoriedade fosse um ônus tal que extinguisse, por completo, o direito de personalidade atinente a publicação da imagem, como resta estampado no  Projeto de Lei 393/2011.
[1] Projeto de Lei 393/2011 – http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=840265&filename=PL+393/2011
[2] STJ, Resp. 578.777, Terceira Turma, Ministro Relator Humberto Gomes de Barros 24 de agosto de 2004.
[3] BARBOSA, Denis Borges. Do Direito de Propriedade Intelectual das Celebridades. Disponível em 24/02/2013, às 15h.:  http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/pi_celebridades.pdf : 2011.
 *Escrito por Maurício Brum Esteves

quinta-feira, 4 de abril de 2013

As patentes na indústria farmacêutica: entre a inovação e a saúde pública


*Artigo publicado em: http://www.piccininiserrano.com.br/blog/

As patentes na indústria farmacêutica: entre a inovação e a saúde pública



No mesmo sentido de outro estudo lançado em fevereiro de 2013, pela Organização Mundial do Comércio (OMC), em parceria com Organização Mundial da Saúde (OMS) e Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), denominado “Promovendo Acesso a Inovação e Tecnologias Médicas: intersecções entre saúde pública, propriedade intelectual e comércio”a Universidade de Chicago divulgou, em março de 2013, um estudo que questiona a utilidade dos direitos de propriedade intelectual como mecanismo de incentivo à inovação e ao desenvolvimento tecnológico.
Sob o título, “Do Intellectual Property Rights on Existing Technologies Hinder Subsequent Innovation?” [1], a Universidade de Chicago publicou um estudo que sugere que alguns tipos de direitos de propriedade intelectual, ao invés de servir como mecanismo de incentivo à inovação e ao desenvolvimento tecnológico, como se era de esperar deste tipo de relação jurídica que envolve a concessão de direitos de exclusividade para inventores e criadores, acabam por desencorajar posteriores pesquisas científicas.
Conforme assevera o autor do estudo, Heidi Williams, o objetivo dos direitos de propriedade intelectual – como o sistema de patentes – é o de fornecer incentivos para o desenvolvimento de novas tecnologias. No entanto, nos últimos anos, têm-se percebido que as patentes podem estar causando efeito reverso, desestimulando pesquisas científicas que estão baseadas em inovações protegidas por Direitos de Propriedade Intelectual [2].
Williams investigou o sequenciamento do genoma humano, tanto pelo prisma do Projeto Genoma Humano, colocado em domínio público, quanto pelas pesquisas promovidas pela empresa privada Celera, cujos resultados foram protegidos por Direitos de Propriedade Intelectual, com direito de exclusividade de dois anos, demandando licenciamentos específicos baseado em contrato, com previsão de elevadas quantias em royalties.
Ao examinar o grau de investimento subsequente em pesquisa científica para desenvolvimento de produtos com cada gene protegido por Direito de Propriedade Intelectual pela empresa Celera, Williams Heidi constatou uma redução de 20% a 30% nas pesquisas científicas posteriores, o que indica um desestímulo ao desenvolvimento de produtos para esses genes protegidos pela propriedade intelectual da Celera.
O autor do estudo conclui, através destas evidências que, ao menos em uma análise preliminar, os direitos de propriedade intelectual podem representar custos substancialmente elevados para futuras pesquisas, o que acaba por representar um obstáculo à inovação e ao desenvolvimento tecnológico.
O que se percebe, com bastante evidencia, através destes recentes estudos, é o acirramento das discussões envolvendo a concessão de Direitos de Propriedade Intelectual (patentes) para medicamentos e produtos farmacêuticos.
No Brasil, até o ano de 1996, os medicamentos e produtos farmacêuticos não podiam ser protegidos por patentes, conforme a legislação da época. Entretanto, com o advento da última rodada do GATT, no ano de 1994, também conhecido como “A Rodada do Uruguai”, foi criada a OMC (Organização Mundial do Comércio), e pactuado o Acordo TRIPS – Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights -, cuja conclusão deu-se em 1995, procedendo-se uma revisão das legislações nacionais dos países em desenvolvimento, com o intuito de aumentar a proteção à propriedade intelectual, sob o argumento de proporcionar maior estímulo ao desenvolvimento tecnológico e à inovação.
Após ratificar o acordo, o Brasil promulgou, em 1997, a fim de se adequar ao TRIPS, uma nova Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/ 96), a partir da qual as invenções farmacêuticas tornaram-se objeto de propriedade exclusiva dos detentores das patentes.
Desde então, as discussões envolvendo o constante conflito entre os Direitos de Propriedade Intelectual e o Direito à Saúde apenas se acirraram, dando ensejo, por exemplo, as extensas discussões acadêmicas envolvendo a licença compulsória de medicamentos, bem como as indagações sobre: em que medida a concessão de Direitos de Propriedade Intelectual realmente incentiva a inovação, ou, apenas, obsta o acesso da população a medicamentos, extremamente onerosos, e dificulta o acesso à saúde?
Independente da resposta para a celeuma, que, data máxima vênia, ainda não apresenta seguros resultados, o que se percebe é que estas recentes pesquisas acrescentam um fator, até então desconhecido, principalmente no que tange aos Direitos de Propriedade Intelectual para medicamentos. Afinal, se inexiste incentivo à inovação, o ânimo de se assegurar exclusividade aos inventores se esvai, perdendo qualquer sentido sua concessão para privados, se não asseguram benefícios coletivos.
[1] Tradução livre: “Os Direitos de Propriedade Intelectual prejudicam a inovação futura”.
[2] Original: “The goal of intellectual property rights – such as the patent system – is to provide incentives for the development of new technologies.  However, in recent years many have expressed concerns that patents may be impeding innovation if patents on existing technologies hinder subsequent innovation”.
Fonte da pesquisa:
http://press.uchicago.edu/pressReleases/2013/March/1303jpeWilliams.html
*Redigido por Maurício Brum Esteves

*Artigo publicado em: http://www.piccininiserrano.com.br/blog/