quinta-feira, 31 de março de 2016

Streaming e a Cobrança de Direitos Autorais em Ambientes Digitais (Estado de Direito, 31/03/2016)

Compartilho o segundo artigo do mês de março publicado em parceria com o Jornal Estado de Direito. Para acessar a publicação original: http://estadodedireito.com.br/streaming-e-cobranca-de-direitos-autorais-em-ambientes-digitais/

Streaming e a Cobrança de Direitos Autorais em Ambientes Digitais

 

Streaming interativo


Chegou ao fim, no último dia 30 de março de 2016, a Consulta Pública disponibilizada pelo Ministério da Cultura, acerca da Instrução Normativa que busca estabelecer previsões específicas para a atividade de cobrança de direitos autorais em ambiente digital. Em que pese a Instrução Normativa em consulta pública trate de questões diversas envolvendo a cobrança de direitos autorais em ambientes digitais, um específico ponto foi o pomo da discórdia: será o streaming interativo – modalidade na qual o usuário pode escolher as obras musicais que deseja executar (playlist), ao contrário do que ocorre com as rádios digitais, inclusive via streaming (simulcasting) – um caso de execução pública musical?

Caso a resposta seja afirmativa, como defendem os músicos, em geral, e o próprio Ministério da Cultura, os players de streaming – como o Spotify e o Deezer, e.g. -, que surgem como novos e influentes atores deste multimilionário mercado, estarão obrigados a pagar ao ECAD o licenciamento pela execução pública das obras musicais executadas em suas plataformas.

A questão, entretanto, vai além. Conforme é cediço, para ter acesso às obras musicais, e poder disponibilizá-las em seus websites, os serviços de streaming interativos já fecham contratos específicos de licenciamento com as gravadoras e editoras musicais, normalmente com sede no exterior, que, por sua vez, repassam parcela destes valores aos compositores e intérpretes, conforme contratos particulares com os próprios artistas. Neste sentido, a regulamentação proposta pelo Ministério da Cultura também surge com vistas a apaziguar os anseios da classe artística, que vem reclamando falta de critérios específicos e transparentes na negociação e distribuição destes valores.

Antes de avançar, contudo, no epicentro desta nebulosa questão, importante contextualizar o debate, e da própria origem da relação entre os diversos atores da indústria da música.

O Streaming e a Revolução na Indústria da Música

Há quem diga que a indústria da música não está em busca de salvação. Entretanto, é fato incontroverso que nos anos que seguiram a década de 90’, a indústria da música viu crescer, consideravelmente, a sombra da pirataria de obras musicais, que com a propulsão dos meios de comunicação em massa e o advento da internet, encontrou meios facilitados de se propagar na rede mundial de computadores. As razões para o crescimento das cópias de obras musicais ilícitas são as mais variadas, conquanto, podemos afirmar, com certa segurança, que uma das principais causas foi a própria omissão da indústria da música, que demorou cerca de uma década para perceber que os hábitos dos seus consumidores haviam mudado.

A primeira loja virtual de música digital, o iTunes, da Apple, seria inaugurada, apenas, no distante ano de 2001. Com o advento do iTunes, pela primeira vez na história as pessoas poderiam adquirir de forma lícita suas músicas favoritas, com a mesma liberdade de quem acessaria quaisquer das ferramentas de downloads ilegais.

Ao que tudo indica, conquanto, a indústria da música, ainda, não havia atingido a real necessidade de seus clientes, eis que na década que seguiu a 2001, a indústria da música não teria auferido um ano sequer de crescimento de vendas digitais, se comparado com o final dos anos 90, segundo informações publicadas no website da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), em fevereiro de 2013. De acordo com essa mesma pesquisa, apenas em 2012 a indústria mundial fonográfica teria obtido o primeiro ano de crescimento em vendas digitais, desde 1999; um singelo aumento de 0,2% em suas vendas.

Neste sentido, a tecnologia streaming nasce como opção para a indústria da música sanar o antigo problema da pirataria de obras musicais – reprodução não autorizada (cópia) -, e reaver seu espaço no mercado da música.

Em parceria com os players de streaming, que vieram a se consolidar no mercado, facilitou-se o acesso às obras musicais, sem a necessidade do download das mesmas, logrando-se êxito em garantir a segurança das obras musicais contra a pirataria, ao mesmo tempo em que desenvolveu inovador modelo de negócio, transformando a música de um produto – passível de cópia – em um serviço – acessível, monetariamente, que não ocupa espaço em disco e pode ser cancelado a qualquer momento.

Streaming e a Alforria dos Músicos Independentes

A parceria das gravadoras e editoras musicais com os players de streaming consolidou-se em um novo mercado para a música, além de representar uma revolução econômica e social, seja na relação dos usuários com a música, ou na própria forma de trabalho e remuneração da classe artística vinculada aos grandes selos da indústria da música. Todavia, as marcas de transformação não são aparentes, apenas, para os grandes players que dominam o show business. Também os músicos locais e independentes foram severamente impactados pela possibilidade de divulgação de suas obras nos ambientes digitais, principalmente, através de streaming, em suas mais diversas formas.

Se antes o músico para obter sucesso era obrigado, necessariamente, a se vincular a uma grande gravadora ou editora musical, com o advento das novas tecnologias, inclusive o streaming, surgiu uma nova opção para músicos locais e independentes divulgarem suas obras em proporções globais. Desde que a composição musical já tenha se tornado um fonograma, os músicos podem optar por, seguramente, disponibilizá-la em qualquer player de streaming ou loja virtual, sem a antiga necessidade de estar representado por uma gravadora.

Isso permite que, de forma autônoma e sem intermediários, os músicos mantenham a titularidade sobre os direitos autorais de suas obras, além de gozarem de uma plataforma de divulgação que permite que a obra seja utilizada em qualquer lugar dos quatro cantos do planeta. Atualmente, diversas bandas têm se empenhado a, de forma independente, produzir conteúdo e disponibilizá-lo na internet, às vezes de forma gratuita, como forma de encantar e manter a fidelidade de seus fãs, apostando nas apresentações ao vivo como forma de receita.

A Cobrança de Direitos Autorais em Ambientes Digitais

É perceptível, destarte, que a tecnologia streaming traz enormes transformações para o mercado da música, seja em nível “show business” ou “músico independente”. Os próprios números divulgados pela Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), atinentes ao ano de 2014, demonstram o cenário de transformação. Conforme o Digital Music Report 2014, divulgado no website da IFPI, em 2014 o mercado mundial de músicas digitais cresceu 6,9%, o que representa US$6.85 bilhões de dólares, e, pela primeira vez na história, as vendas de musicais digitais foram equivalentes às vendas em formato físico.

Como é natural, toda grande revolução traz consigo, também, dúvidas e controvérsias. A própria Lei de Direitos Autorais pátria (Lei nº 9.610/98), é absolutamente omissa em tutelar o uso de obras musicais em ambientes digitais. Neste sentido, é muito bem vinda a Instrução Normativa proposta pelo Ministério da Cultura, que busca estabelecer previsões específicas para a atividade de cobrança de direitos autorais em ambiente digital, principalmente se considerarmos a forma transparente e democrática com que o assunto vem sendo tratado.

Entretanto, é igualmente perceptível que o impasse erigido entre músicos, gravadoras e players de streaming, acerca da configuração, ou não, do streaming interativo como hipótese de execução pública passível de cobrança pelo ECAD, conforme inserto nos §§1º e 2º do artigo 6º da Instrução Normativa em Consulta Pública, dialoga, diretamente, com a própria definição de valores e de postura da legislação brasileira quanto ao grau de proteção e/ou incentivo que está disposto a conceder aos atores centrais da indústria da música.

Neste impasse, pode-se considerar, e.g., que os players de streaming já efetuam o licenciamento das obras disponibilizadas em suas plataformas junto às gravadoras e editoras musicais, e que uma nova cobrança por licenciamentos de execução pública iria ser um bis in idem, além de onerar em demasia este setor, freando a expansão e criação de novas empresas produtivas no país.

Todavia, este entendimento, certamente, não viria ao melhor interesse dos músicos, que perceberiam crescer sua dependência econômica e comercial junto aos grandes selos do show business, além da manutenção das mesmas irresignações quanto à transparência na execução dos contratos com estas empresas.

Por outro lado, o entendimento de que o streaming interativo representa caso de execução pública, passível de cobrança pelo ECAD, poderia proporcionar uma nova fonte de receita a músicos independentes, e um incentivo à alforria da criação junto a intermediários, fomentando-se, via de consequência, a própria expansão da cultura livre com a inserção de novos partícipes em potencial na indústria da música.

S.m.j., a Lei nº 9.610/98 abarca qualquer das interpretações. Todavia, o posicionamento que transparece mais lúcido, em nosso sentir, é no sentido de que, efetivamente, o streaming interativo se trata de hipótese de execução pública musical, seja em razão do rol extensivo de direitos dos artigos 29 e 68, §§2º e 3º, da Lei Autoral, ou pelo próprio ânimo que se encontra no epicentro do próprio sentido da proteção por Direito Autoral, de que o Autor seja remunerado, de forma justa, pelos mais diversos usos de sua obra (Art. 31, Lei 9.610/98).

A controvérsia imposta, conquanto, não poderá, e não deverá, ser resolvida com base em singelas interpretações jurídicas de textos legais, sob pena de uma suposta neutralidade da lei e de seus intérpretes não atingirem o epicentro da problemática em questão. O que se espera, com o término da Consulta Pública, é que o Ministério da Cultura consiga extrair os verdadeiros anseios políticos e econômicos da nação, traduzindo-os na novel Instrução Normativa, de forma a trazer segurança jurídica e transparência à relação que unem músicos, gravadoras e players de streaming.

*Artigo publicado em 31/03/2016, no Jornal Estado de Direito: http://estadodedireito.com.br/streaming-e-cobranca-de-direitos-autorais-em-ambientes-digitais/

domingo, 20 de março de 2016

Aula Magna 2016 da Faculdade de Direito do IPA

No próximo dia 05 de abril de 2016, na Faculdade de Direito do IPA, estarei participando da Aula Magna, com a temática "Direitos Autorais em Meios Digitais". Abaixo, segue a programação completo do evento.



quinta-feira, 17 de março de 2016

A reforma do Direito Autoral (Estado de Direito, 17/03/2016)

Com enorme alegria, informo que o Jornal Estado de Direito passará a publicar, online, artigos quinzenais de minha autoria, envolvendo a fascinante temática dos Direito Autorais e as Novas Tecnologias. Além de promover a matéria, o objetivo será o de trazer um olhar crítico sobre os principais acontecimentos envolvendo o tema dos Direitos Autorais, além de fontes de pesquisas e sugestões de bibliografias atuais ao interessados em se aventurar neste mundo. Espero que seja uma plataforma de profícua discussões e compartilhamento de conhecimento.

Para abrir os trabalhos, "A reforma do Direito Autoral" (Hiperlink para o original).


A reforma do Direito Autoral


O velho antagonismo de sempre: restrição versus flexibilização

 

Reforma do Direito Autoral brasileiro


A reforma do Direito Autoral brasileiro voltou à pauta de discussão, no último dia 10 de março de 2016, quando se reuniu, em Brasília, na Câmara de Deputados, a Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº 3968 de 1997, do Sr. Serafim Venzon, que “isenta os órgãos públicos e as entidades filantrópicas do pagamento de direitos autorais pelo uso de obras musicais e lítero-musicais em eventos por eles promovidos” [1]. Conjuntamente, a Comissão Especial também deverá analisar e proferir parecer a outros 26 (vinte e seis) Projetos de Lei [2] apensados diretamente na árvore de apensamentos do PL nº 3968/97 [3]. Para compor a mesa de debate, além do presidente desta Comissão Especial, o deputado Sandro Alex (PPS-PR), e de sua relatora, a deputada Renata Abreu (PTN-SP), foram convidados os especialistas na área dos Direitos Autorais, Dr. Allan Rocha e o Dr. José Carlos Costa Netto (desembargador do TJ/SP).

Apesar dos dezenove (19) longos anos que separem a data da apresentação do primeiro PL em pauta (PL nº 3968/97), ao mais recente (PL nº 3882/2015 ), aparentemente, nenhuma novidade sobreveio ao término de mais uma Audiência Pública para discutir os rumos do Direito Autoral brasileiro, que fosse além do clássico antagonismo existente entre aqueles que, de um lado, defendem uma Lei Autoral mais protetiva e com mais restrições – papel protagonizado, desta vez, pelo Dr. José Costa Netto -, e àqueles que, do outro lado, defendem a expansão das limitações ao Direito Autoral – papel protagonizado pelo Doutor em Direito Allan Rocha.

Em que pese a inquestionável qualidade de ambos os representantes, seja de uma ou outra corrente, o fato é que desde a promulgação na “nova” Lei de Direitos Autorais (nº 9.610/98), em 1998 – um ano após a apresentação do PL (nº 3968/97) que está centralizando os debates, diga-se de passagem –, pouco se avançou nos debates em prol de uma reforma adequada ao Direito Autoral brasileiro, para além de uma centena de projetos de lei, esparsos e desconexos, e da constante alimentação do antagonismo: restrição versus flexibilização.

 

Lei de Direitos Autorais

 

Aliás, a própria promulgação da atual Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) – cumpre o registro – foi marcada pelo estopim deste antagonismo, tanto que, após o advento da Constituição Federal em 1988, o Congresso Nacional, auxiliado por especialistas na área, levou longos dez (10) anos para aprovar uma suposta “nova” Lei de Direitos Autorais, que, em sua essência, repete e mantém a base teórica e epistemológica da velha Lei nº 5.899, de 05 de julho de 1973.
Ao fim e ao cabo, o antagonismo que assola o avanço do Direito Autoral denota uma cabal ausência de valores em seu epicentro, que acaba por barrar o desenvolvimento de uma Teoria Jurídica Autoralista adequada, inclusive em nível pragmático sistêmico, para a realidade da sociedade brasileira.

Apesar da obviedade, friso que não estou aqui tratando de uma suposta ausência de valores constitucionais – que sustenta e alimenta a formação de todo o sistema jurídico pátrio -, como se o Direito Autoral, na condição de Direito Privado – ao menos na dicotomia tradicional -, fosse imune às influências da Constituição Federal de 1988. A intenção, aqui, é denunciar que importantes indagações, cujas respostas deveriam servir de base para a construção axiológica de todo o sistema autoralista brasileiro, permanecem renegadas a um segundo plano de importância. Assim, e.g., qual o nível de proteção adequado para que os Direitos Autorais possam cumprir com os seus mais diversos papéis na sociedade? Quais os valores que legitimam as pretensões antagônicas: restrição versus flexibilização?

Nos últimos anos, infelizmente, as discussões pela reforma da Lei Autoral, além de esparsas e desconexas, têm tido foco nesta enfadonha dicotomia. Prova do exposto, é que a maioria maciça dos projetos de lei apensados ao PL nº 3968/97, inclusive ele próprio, busca criar inúmeras, e um tanto quanto exageradas, limitações aos Direitos Autorais, que se fossem aprovadas em sua totalidade colocariam em risco, certamente, o exercício adequado dos Titulares de Direito Autoral, no que tange à fiscalização e cobrança.

Por outro lado, não se pode deixar de mencionar que a postura pela flexibilização exacerbada certamente é “motivada”, ao menos parcialmente, pela atuação, igualmente exagerada, em alguns casos, dos próprios Titulares de Direito Autoral no exercício de fiscalização e cobrança de seus Direitos.

O Direito Autoral precisa de respostas que o nutra com valores, para além do antagonismo que o imobiliza há longos anos. Por ora, entretanto, enquanto as perguntas adequadas não são endereçadas, o problema central do Direito Autoral ao menos para aqueles que se preocupam com a solução de conflitos, passa a ser: como valorar pretensões antagônicas em um contexto jurídico desprovido de valores que apenas atende aos anseios do “Mercado”?

 

Notas:

[1] Inteiro teor do Projeto de Lei nº 3968 de 1997, do Sr. Serafim Venzon: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD14JAN1998.pdf#page=18.


[3] Quarenta quatro (44), por enquanto, é o número total de projetos de lei em análise por esta Comissão Especial, considerando que outros dezoito (18) projetos de lei e requerimentos encontram-se apensados a um dos 26 projetos de lei diretamente apensados ao Projeto de Lei nº 3968 de 1997.

quinta-feira, 10 de março de 2016

Solução alternativa de conflitos na pauta do direito autoral (JOTA, 10/03/2016)

*Publicado em JOTA - http://jota.uol.com.br/JVZPP - no dia 10/03/2016

Por Maurício Brum Esteves  
Sócio de Silveiro Advogados

A morosidade do judiciário brasileiro representa, certamente, um de seus principais e mais graves problemas, na atualidade. Sem a pretensão de indicar quaisquer culpados, é fato notório que o lapso temporal entre o ajuizamento de determinada ação judicial, e o advento de uma decisão com trânsito em julgado – definitiva e imutável, salvo exceções – pode chegar a incríveis 10 ou 15 anos, quiçá mais. Se no longínquo início do século XX, Rui Barbosa já denunciava que “a justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta”, hoje em dia, para uma sociedade (digital) marcada pela instantaneidade das relações humanas e suas comunicações, a morosidade que assola o Poder Judiciário, mais do que nunca, representa um gravíssimo obstáculo na solução de conflitos e na concretização da justiça.

Tendo em vista este cenário, as soluções alternativas de conflitos, como a mediação e a arbitragem, têm surgido como opção viável para as partes envolvidas em um conflito que desejam uma solução tecnicamente correta e adequada para as especificidades do caso, e, principalmente, rápida. A decisão final para um caso envolvendo a recuperação de um nome de domínio fraudulentamente adquirido por terceiro de má-fé, por exemplo, pode demorar cerca de 5 ou 10 anos, se ajuizado perante a justiça comum, ou, em compensação, cerca de 6 meses a 1 ano, se requerido perante Cortes Arbitrais especializadas. Além da inegável celeridade das soluções alternativas de conflito, se comparado com a justiça comum, o fator conhecimento técnico especializado tem sido um importante fator para a ascensão do interesse pelas formas alternativas de solução, principalmente se comparado com os Magistrados da Justiça Comum, a quem é submetida as mais diversas temáticas para julgamento.

Em 2013, com o advento da Lei nº 12.853/2013, que alterou e acrescentou diversos artigos na Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) para dispor sobre a Gestão Coletiva de Direitos Autorais, as soluções alternativas de conflitos passaram a fazer parte da pauta do Direito Autoral brasileiro. Conforme constou no texto final da mais recente CPI do ECAD, e nas discussões que precederam a aprovação da Lei, a litigiosidade que pauta a conduta do Escritório Central não é algo desejável, seja em termos de efetividade das soluções, ou dos custos envolvidos para os artistas que são representados por suas Associações de Direito Autoral, que, por sua vez, são representadas pelo Escritório Central. Arrimado pela crescente ascensão das formas alternativas de solução de conflito, o artigo 100-B, da Lei 9.610/98, passa, então, a prever que os litígios entre usuários e titulares de direitos autorais ou seus mandatários poderão ser objeto da atuação em órgão da Administração Pública Federal para a resolução de conflitos por meio de mediação ou arbitragem. Os conflitos, de acordo com a Lei, podem envolver desde falta de pagamento, critérios de cobrança, formas de oferecimento de repertório, valores de arrecadação ou distribuição, etc.

Mais recentemente, o Decreto nº 8.469/2015 regulamentou a Lei nº 12.853/2013, que atualizou a Lei nº 9.610/98. Em seu Capítulo VIII, o Decreto prevê que o Ministério da Cultura poderá promover a mediação e a conciliação, bem como dirimir os litígios entre usuários e titulares de direitos autorais ou seus mandatários que lhe forem submetidos na forma da Lei no 9.307/1996, e de acordo com o Regulamento de Mediação, Conciliação e Arbitragem, a ser aprovado pelo próprio Ministério da Cultura, que se incumbirá, também, de publicar edital para credenciamento de mediadores e árbitros com comprovada experiência e notório saber na área de Direito Autoral.

Ainda em 2015, o Mistério da Cultura aprovou o “Regulamento de Mediação e Arbitragem no Âmbito do Ministério da Cultura”, inserto na Instrução Normativa nº 4, de 07 de julho de 2015. A partir de agora, destarte, todo o manancial legislativo necessário já está criado, de modo que a parte interessada em iniciar um procedimento de Mediação ou Arbitragem já poderá notificar o Ministério da Cultura, por escrito, através de requerimento próprio, enviando uma cópia à outra parte, nos termos previstos na Instrução Normativa e na legislação correlata, para dar início ao procedimento de solução do conflito.

Por enquanto, não se tem notícia de algum caso que tenha sido submetido e resolvido com base no procedimento em tela. Todavia, a expectativa é a de que, em breve, as soluções alternativas de conflitos saiam da pauta do Direito Autoral, para se tornar uma realidade concreta.

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quarta-feira, 2 de março de 2016

Inovação na pauta do Brasil (Migalhas, 02/03/2016)

*Publicado na edição de 02/03/2016 do Migalhas

Inovação na pauta do Brasil


Maurício Brum Esteves

Diante da crise político-econômica e da promulgação da EC 85, esperava-se a inclusão da inovação na pauta do Brasil.

quarta-feira, 2 de março de 2016

A atual conjuntura político-econômica em que se vive, no Brasil, é de crise. Argumentos em sentido contrário revestem-se de extrema parcialidade ou, quiçá, ingenuidade. Fatores como insegurança jurídica e falta de credibilidade nas instituições, mas, principalmente, uma elevadíssima carga tributária e um absoluto esgotamento das estratégias de estímulo ao desenvolvimento econômico e social, por parte do Estado, agravam, ainda mais, a sensação de crise e proporcionam um cristalino atrofiamento do setor produtivo e industrial do país.

Há aproximadamente um ano, entretanto, mais precisamente no dia 26 de fevereiro de 2015, o Governo - aqui entendido em seu sentido lato - deu um importante passo para a reversão deste cenário, que assola tanto o Brasil como o mundo, desde 2008. Trata-se da promulgação da EC 85, que altera e adiciona dispositivos na Constituição Federal para atualizar o tratamento das atividades de ciência, tecnologia e inovação.

As alterações proporcionadas pela EC 85, encontram-se esparsas pelo texto Constitucional, nos seus mais diversos Títulos e Capítulos. Naquele dedicado à Organização do Estado, por exemplo, Título III, a Carta Magna passa a prever ser competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, proporcionar os meios de acesso à inovação (art. 23, V, da CF). Da mesma forma, no Título III, o texto Constitucional passa a disciplinar que a União, os Estados e o Distrito Federal são competentes, de forma concorrente, para legislar sobre inovação (art. 24, IX, da CF).

Ou seja, todos os ententes federativos são competentes para proporcionar os meios de acesso à inovação (art. 23, V, da CF), mas, apenas a União, os Estados e o Distrito Federal são competentes para legislar sobre inovação. Em um cenário em que o Estado deverá promover e incentivar a inovação (art. 218, da CF), isso significa que as medidas mais contundentes deverão partir da própria União e dos Estados que compõe a Federação. Os Municípios serão partícipes, com competência para, exclusivamente, proporcionar os meios de acesso à inovação, mas sem legislar sobre o tema.

O exposto reveste-se de crucial importância, principalmente analisando a questão do incentivo à inovação pelo Estado às empresas, que passa a ser previsto no art. 219, § único da CF, sobre o prisma do Direito Tributário. A alta carga Tributária que assola as empresas no Brasil é, sabidamente, um dos principais fatores de desestímulos ao empreendedorismo e à inovação, e vem motivando que empresas como a mundialmente famosa Nintendo, por exemplo, abandonem sua produção no país. Da mesma forma, vem contribuindo para que empresas de pequeno e médio porte quiçá saiam do papel. 

Para reverter este cenário, esperava-se que a significativa alteração da EC 85, ao colocar a "inovação" na pauta de valores do Brasil, também viesse acompanhada da disposição, por parte do Governo, em também modificar a cultura Tributária hoje em voga, que acaba por desestimular o empreendedorismo e à inovação. Por enquanto, infelizmente, nenhum sinal de mudança. Muito pelo contrário, o Governo abriu o ano legislativo empenhado em aumentar, ainda mais, a já pesada carga tributária brasileira, com a aprovação da CPMF. De qualquer sorte, o simples fato da inserção da "inovação" na pauta de valores do Brasil já é um alento para quem, desde 2008, não via uma luz no fim do túnel.

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*Maurício Brum Esteves é advogado do escritório Silveiro Advogados.










terça-feira, 1 de março de 2016

O "Calcanhar de Aquiles" do Marco Civil da Internet

Antes, o desafio do Marco Civil da Internet (MCI) era o de “traduzir” as regras da “vida real” para a realidade (virtual) do cyperspace, a fim de impor ao “Código” (Code) os mesmos limites impostos à “vida real”. Não por outro motivo o festejado MCI foi denominado “a constituição da Internet”. Simbolicamente, o nascedouro axiológico de uma ordem política, econômica e jurídica. Não estou aqui discutindo a necessidade, ou não, de um regramento para a Internet. Este debate está superado, s.m.j.! Principalmente se considerarmos verdadeira a assertiva de Lawrence Lessig (“Code is Law”), passa a ser evidente a necessidade de um regramento específico para impor valores, princípios e limites a essa ilimitada capacidade do Código (Code) de criar, recriar e modificar a realidade, inclusive com efeitos, potencialmente, devastadores na “vida real”, mesmo que praticados no plano “virtual”. Em sua gênese, entretanto, o foco das preocupações do MCI era voltado, simplesmente, para os habitantes do cyberspace, a fim de que ninguém excedesse as “regras do jogo”, independentemente do plano que se esteja habitando (real ou virtual). Alguns fatos recentes (no Brasil), entretanto, como o (I) bloqueio do WhatsApp, no final do ano passado, e a (II) prisão do vice-presidente do Facebook na América Latina, revelam um “ponto cego” do MCI ainda desconhecido e pouco debatido. Inserto naquele mesmo “paradoxo da soberania” trabalhado por G. Agamben, o “calcanhar de Aquiles” do MCI parece ser, justamente, sua incapacidade aparente de impor limites ao seu próprio criador: o Estado! Para além de um singelo “Marco Civil Regulatório”, para evitar um panóptico sem precedentes na história, a demanda atual parece ser a de uma legítima “bill of rights”, “traduzida” para a Internet, a fim de que o onipotente “Código” (Code) não se torne o carrasco de sua própria Liberdade.