quinta-feira, 17 de março de 2016

A reforma do Direito Autoral (Estado de Direito, 17/03/2016)

Com enorme alegria, informo que o Jornal Estado de Direito passará a publicar, online, artigos quinzenais de minha autoria, envolvendo a fascinante temática dos Direito Autorais e as Novas Tecnologias. Além de promover a matéria, o objetivo será o de trazer um olhar crítico sobre os principais acontecimentos envolvendo o tema dos Direitos Autorais, além de fontes de pesquisas e sugestões de bibliografias atuais ao interessados em se aventurar neste mundo. Espero que seja uma plataforma de profícua discussões e compartilhamento de conhecimento.

Para abrir os trabalhos, "A reforma do Direito Autoral" (Hiperlink para o original).


A reforma do Direito Autoral


O velho antagonismo de sempre: restrição versus flexibilização

 

Reforma do Direito Autoral brasileiro


A reforma do Direito Autoral brasileiro voltou à pauta de discussão, no último dia 10 de março de 2016, quando se reuniu, em Brasília, na Câmara de Deputados, a Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº 3968 de 1997, do Sr. Serafim Venzon, que “isenta os órgãos públicos e as entidades filantrópicas do pagamento de direitos autorais pelo uso de obras musicais e lítero-musicais em eventos por eles promovidos” [1]. Conjuntamente, a Comissão Especial também deverá analisar e proferir parecer a outros 26 (vinte e seis) Projetos de Lei [2] apensados diretamente na árvore de apensamentos do PL nº 3968/97 [3]. Para compor a mesa de debate, além do presidente desta Comissão Especial, o deputado Sandro Alex (PPS-PR), e de sua relatora, a deputada Renata Abreu (PTN-SP), foram convidados os especialistas na área dos Direitos Autorais, Dr. Allan Rocha e o Dr. José Carlos Costa Netto (desembargador do TJ/SP).

Apesar dos dezenove (19) longos anos que separem a data da apresentação do primeiro PL em pauta (PL nº 3968/97), ao mais recente (PL nº 3882/2015 ), aparentemente, nenhuma novidade sobreveio ao término de mais uma Audiência Pública para discutir os rumos do Direito Autoral brasileiro, que fosse além do clássico antagonismo existente entre aqueles que, de um lado, defendem uma Lei Autoral mais protetiva e com mais restrições – papel protagonizado, desta vez, pelo Dr. José Costa Netto -, e àqueles que, do outro lado, defendem a expansão das limitações ao Direito Autoral – papel protagonizado pelo Doutor em Direito Allan Rocha.

Em que pese a inquestionável qualidade de ambos os representantes, seja de uma ou outra corrente, o fato é que desde a promulgação na “nova” Lei de Direitos Autorais (nº 9.610/98), em 1998 – um ano após a apresentação do PL (nº 3968/97) que está centralizando os debates, diga-se de passagem –, pouco se avançou nos debates em prol de uma reforma adequada ao Direito Autoral brasileiro, para além de uma centena de projetos de lei, esparsos e desconexos, e da constante alimentação do antagonismo: restrição versus flexibilização.

 

Lei de Direitos Autorais

 

Aliás, a própria promulgação da atual Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) – cumpre o registro – foi marcada pelo estopim deste antagonismo, tanto que, após o advento da Constituição Federal em 1988, o Congresso Nacional, auxiliado por especialistas na área, levou longos dez (10) anos para aprovar uma suposta “nova” Lei de Direitos Autorais, que, em sua essência, repete e mantém a base teórica e epistemológica da velha Lei nº 5.899, de 05 de julho de 1973.
Ao fim e ao cabo, o antagonismo que assola o avanço do Direito Autoral denota uma cabal ausência de valores em seu epicentro, que acaba por barrar o desenvolvimento de uma Teoria Jurídica Autoralista adequada, inclusive em nível pragmático sistêmico, para a realidade da sociedade brasileira.

Apesar da obviedade, friso que não estou aqui tratando de uma suposta ausência de valores constitucionais – que sustenta e alimenta a formação de todo o sistema jurídico pátrio -, como se o Direito Autoral, na condição de Direito Privado – ao menos na dicotomia tradicional -, fosse imune às influências da Constituição Federal de 1988. A intenção, aqui, é denunciar que importantes indagações, cujas respostas deveriam servir de base para a construção axiológica de todo o sistema autoralista brasileiro, permanecem renegadas a um segundo plano de importância. Assim, e.g., qual o nível de proteção adequado para que os Direitos Autorais possam cumprir com os seus mais diversos papéis na sociedade? Quais os valores que legitimam as pretensões antagônicas: restrição versus flexibilização?

Nos últimos anos, infelizmente, as discussões pela reforma da Lei Autoral, além de esparsas e desconexas, têm tido foco nesta enfadonha dicotomia. Prova do exposto, é que a maioria maciça dos projetos de lei apensados ao PL nº 3968/97, inclusive ele próprio, busca criar inúmeras, e um tanto quanto exageradas, limitações aos Direitos Autorais, que se fossem aprovadas em sua totalidade colocariam em risco, certamente, o exercício adequado dos Titulares de Direito Autoral, no que tange à fiscalização e cobrança.

Por outro lado, não se pode deixar de mencionar que a postura pela flexibilização exacerbada certamente é “motivada”, ao menos parcialmente, pela atuação, igualmente exagerada, em alguns casos, dos próprios Titulares de Direito Autoral no exercício de fiscalização e cobrança de seus Direitos.

O Direito Autoral precisa de respostas que o nutra com valores, para além do antagonismo que o imobiliza há longos anos. Por ora, entretanto, enquanto as perguntas adequadas não são endereçadas, o problema central do Direito Autoral ao menos para aqueles que se preocupam com a solução de conflitos, passa a ser: como valorar pretensões antagônicas em um contexto jurídico desprovido de valores que apenas atende aos anseios do “Mercado”?

 

Notas:

[1] Inteiro teor do Projeto de Lei nº 3968 de 1997, do Sr. Serafim Venzon: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD14JAN1998.pdf#page=18.


[3] Quarenta quatro (44), por enquanto, é o número total de projetos de lei em análise por esta Comissão Especial, considerando que outros dezoito (18) projetos de lei e requerimentos encontram-se apensados a um dos 26 projetos de lei diretamente apensados ao Projeto de Lei nº 3968 de 1997.

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