Conforme é cediço, os Direitos Autorais – protegidos pela Lei brasileira – possuem natureza híbrida. Ou seja, significa que o conjunto de prerrogativas do autor é tratado, na legislação autoral pátria, Lei 9.610/98, sob dupla perspectiva: “moral”, afetos aos Direitos de Personalidade, insertos nos artigos 24 a 27; e “patrimonial”, de cunho financeiro e monetário, previstos nos artigos 28 a 45, todos da Lei 9.610/98.
No que tange ao prazo de proteção desses direitos, enquanto que as prerrogativas morais do autor são inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, a teor do artigo 27, da Lei Autoral, o direito patrimonial – constituído pelo direito exclusivo em utilizar, fruir e dispor da obra, conforme preconiza o artigo 28, da Lei 9.610/98 – possui limitação temporal de 70 anos, nos termos dos artigos 41 e seguintes, da Lei Autoral [1]. Após este período, findo o prazo de proteção, a obra cai em domínio público, podendo ser utilizada livremente.
Cumpre asseverar, haja vista a importância da questão, que a limitação temporalde 70 anos não abrange os direitos morais do autor, que, conforme já mencionado, são inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis.
A despeito, cumpre trazer à baila advertência de Plínio Cabral:
“Isso, como se sabe, não inclui os direitos morais, que são inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis. A obra em domínio público não pode ser alterada, nem mesmo pelos sucessores do autor, embora possa ser objeto de manipulação permitida pela lei”. [CABRAL, PLÍNIO, 2011]
Em sendo assim, diz-se em domínio público, no Brasil, a obra sobre a qual não existe titular de direitos econômicos de exclusividade, seja em razão do transcurso da limitação temporal de 70 anos, conforme prevê o artigo 41, da Lei Autoral, ou pelo fato de o autor falecido não ter deixado sucessores, nos termos do artigo 45, do mesmo diploma legal, podendo, portanto, ser a obra livremente utilizada.
Conquanto, peculiar situação surge quando nos deparamos com a questão do domínio público no âmbito internacional, em razão da diferença nos prazos de proteção estabelecidos entre os diferentes países, o que pode ocasionar que determinada obra entre em domínio público em um país, e não entre em outro, cujo prazo de proteção seja maior, por exemplo.
Aliás, oportuno trancrever o esclarecedor exemplo do doutrinador Sérgio Branco sobre a problemática em tela,in verbis:
“Em 2004, o Projeto Gutemberg Austrália (http://gutenberg.net.au/) foi notificado pelos herdeiros de Margareth Mitchell, autora de “…E o vento Levou”, por conta da disponibilização, na página do wbsite, da íntegra da obra.Mitchell escreveu “…E o Vento Levou” em 1963 e veio a falecer em 1949. De acordo com a lei australiana de direitos autorais vigentes em 2004, as obras literárias eram protegidas pelo prazo de 50 anos contados da morte do autor. Portanto, a proteção autoral sobre “…E o Vento Levou” havia se encerrado, ao menos na Austrália, em 1999.No entanto, nos Estados Unidos, o livro apenas entrará em domínio público em 2031 (95 anos contados da publicação), por conta do prazo de proteção previsto legalmente” [SÉRGIO BRANCO, 2011].
O caso em comento é bastante elucidativo, pois diferentes países, com prazos de proteção distintos, litigam em face de uma obra que, nos Estados Unidos ainda é protegida por direito autoral, mas que na Austrália já havia entrado em domínio público, sendo, portanto, de livre uso.
Importa salientar, que muito embora haja uma tendência mundial em harmonizar o prazo legal de proteção em 70 anos, a exemplo da União Européia, Austrália [2] e Brasil, ainda há inúmeras diferenças nos prazos de proteção concedidas para a obra autoral. Alguns países optam por conceder prazos menores, a exemplo da Coréia do Sul – 50 anos -, e outros, também, prazos maiores, a exemplo do México, Estados Unidos, Colômbia e Costa do Marfim [SÉRGIO BRANCO, 2011].
Assim, em razão da diferença nos prazos de proteção, surge a problemática a respeito de “como harmonizar a proteção às obras intelectuais quando países as protegem por períodos distintos”? [SÉRGIO BRANCO, 2011]
De acordo com a Convenção de Berna [3], há duas soluções a serem observadas: (I) regra do tratamento nacional que importa em dar o mesmo tratamento para nacionais e estrangeiros, sem qualquer discriminação; (II) a regra do prazo mais curto, ou seja, o prazo de proteção não excederá a duração fixada no país de origem da obra.
No caso do Brasil, o legislador optou por privilegiar, no artigo 2º, da Lei 9.610/98, o princípio do tratamento nacional, que é um dos basilares da maioria dos Tratados Internacionais, desde a Convenção da União de Paris/1883.
Art. 2º Os estrangeiros domiciliados no exterior gozarão da proteção assegurada nos acordos, convenções e tratados em vigor no Brasil.Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei aos nacionais ou pessoas domiciliadas em país que assegure aos brasileiros ou pessoas domiciliadas no Brasil a reciprocidade na proteção aos direitos autorais ou equivalentes.
Portanto, no Brasil, em razão da previsão legislativa em tela, que reflete o princípio do tratamento nacional, a Lei de Direitos Autorais pátria – 9.610/98 – é aplicada, indistintamente, tanto para nacionais, quanto para estrangeiros. Ou seja, mesmo que a legislação de outro país preveja proteção menor (do que 70 anos) para os seus próprios nacionais, no Brasil a obra será protegida por 70 anos.
Por fim, caso a Lei brasileira fosse omissa, a proteção para as obras internacionais respeitaria a regra do prazo mais curto, o que importa afirmar, por exemplo, que países que protegem suas obras por prazo inferior a 70 (setenta) anos, no Brasil seriam protegidas pelo mesmo prazo, em detrimento da regra geral, inserta no artigo 41, da Lei 9.610/98, que seria aplicável, apenas, para nacionais, ou para países cuja proteção excedesse a brasileira.
NOTAS:
[1] Lei 9.610/98: “Art. 41. Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil”.
[2] Em acordo bilateral exarado com os Estados Unidos, no ano de 2004, a Austrália aumentou para 70 (setenta) anos o prazo de proteção.
[3] Convenção de Berna, art. 7º (8): “Em quaisquer casos, a duração será regulada pela lei do país em que a proteção for reclamada; entretanto, a menos que a legislação deste último país resolva de outra maneira, a referida proteção não excederá a duração fixada no país de origem da obra [defino nos termos do art. 5º (4)]”.
Por Maurício Brum Esteves