terça-feira, 17 de setembro de 2013

Opinião – O retrocesso legislativo na Gestão Coletiva de Direitos Autorais


Publicado em http://www.piccininiserrano.com.br/opiniao-o-retrocesso-legislativo-na-gestao-coletiva-de-direitos-autorais/

brasilia---congresso-nacionalnational-congress-854726-mNo último dia 14 de agosto, a Presidenta da República, Dilma Rousseff, sancionou a Lei 12.853, que altera aspectos atinentes à gestão coletiva de direitos autorais no Brasil. Em que pese os enormes apelos de considerável parcela da classe artística pela não aprovação da reforma legislativa, haja vista o modo e contexto, absolutamente questionáveis, em que concebida, às pressas e sem qualquer diálogo com a sociedade, o fato é que, após tramitar em regime de urgência no Congresso Nacional, em dezembro de 2013 teremos nova legislação em vigência para tratar dos Direitos Autorais relacionados à música.
Dada a importância da questão para o desenvolvimento da cultura pátria, não obstante tratar-se de um mercado que, sabidamente, gira enormes quantias em dinheiro todos os anos, causa certa espécie o fato de ter-se empregado tramitação em regime de urgência para o Projeto de Lei 129/2012, que em pouco mais de um ano, desde sua apresentação, em maio de 2012, acabou sendo sancionado e publicado, dando ensejo a Lei 12.853, que em dezembro deste ano entrará em vigor.
vintage-clock-2-1129738-mOportuno reparar, que a maioria das propostas legislativas que abordam temas cruciais em nosso sistema jurídico, possuem longo lapso temporal de tramitação, entre propostas, substitutivos, consultas populares, etc., até encontrar-se apto e hígido para dialogar com as verdadeiras necessidades da população. Podemos citar, como exemplo, o projeto de lei atinente ao Marco Civil da Internet, ou, até mesmo, o que busca alterar a Lei de Direitos Autorais, ambos diligentemente trabalhados no Congresso Nacional. No caso da Lei 12.853, entretanto, houve, curiosamente, uma rápida tramitação, em regime de urgência, sem qualquer consulta pública, ou diálogo abrangente com a classe artística (maior interessada).
A demasiada celeridade na aprovação de uma Lei de tamanha importância para a cultura pátria é apenas um dos (muitos) pontos que poderiam ser levantados para desabonar o resultado do trabalho apresentado à sociedade pelo Congresso Nacional para modificar a Gestão Coletiva de Direitos Autorais do país. Além disso, poderíamos citar o curioso fato de a nova legislação impor que o Estado, um dos maiores devedores de Direitos Autorais no país, passe a fiscalizar a atuação do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, sob o fraco argumento de proporcionar mais transparência (?).
Ora, é absolutamente cediço da enorme inadimplência das concessionárias de radiodifusão, assim como da constante negativa de licenciamento das obras musicais nos eventos promovidos pelos entes federativos, mormente os Municípios. Ou seja, o Estado, que é um dos maiores devedores do ECAD, passará a fiscalizá-lo para proporcionar mais transparência (?).
Data máxima vênia, o cerne do ânimo legislativo é claro, e passa ao largo de qualquer preocupação com os Direitos Autorais, conforme, aliás, bem observado pela nota divulgada pelo próprio ECAD:
A lei que protege os direitos autorais está sendo transformada na lei que protege os interesses dos usuários de música. Isso porque não há no projeto de lei uma linha sequer que trate da inadimplência dos grupos de tevê e radiodifusão considerando que, por serem concessões públicas, deveriam ter como premissa para a renovação de seus contratos, a quitação das dívidas com pagamento de direitos autorais, item ignorado pelo Senado desde o início na elaboração do projeto, apesar de ser uma reivindicação antiga da classe artística. A título de informação, em 2012, a inadimplência de rádios e tevês (aberta e por assinatura) ultrapassou a soma de R$ 1 bilhão (Nota veiculado neste Blog – “O PLS 129/12 e seus prejuízos aos compositores e artistas”).
Oportuno lembrar, que quando do advento da Lei 9.610/98, a modificação mais considerável – em face da antiga 5.988/73 –  foi afastar a intervenção estatal, consolidada no extinto CNDA- Conselho Nacional de Direitos Autorais, haja vista os novos preceitos constitucionais insertos na Carta Magna de 1988, que passaram a não mais permitir a ingerência estatal na organização e administração de associações civis. Entretanto, transcorridos quase 25 (vinte e cinco) anos desde a extinção do CNDA, consolida-se, novamente, a intervenção estatal nas atividades de uma Associação Civil, com amplos poderes para, inclusive, regulamentá-la, preceituar sua composição e diretoria, prerrogativas constitucionais que, salvo melhor juízo, são, exclusivamente dos associados.
Vejam que os pontos que poderíamos levantar para desabonar a Lei 12.853 são os mais variados, sendo o mais gritante o distanciamento do novo regramento infraconstitucional dos preceitos e valores constitucionais.
Cumpre salientar, que a Lei dos Direitos Autorais (Lei 9.610/98) nasce em 1998, absolutamente constitucionalizada e em plena consonância com o artigo 5º da Carta Magna. Seu objetivo: defender o direito fundamental à propriedade das obras pelos seus respectivos autores. Portanto, é com esta premissa que os artigos da Lei 9.610/98 são redigidos, tendo por: (I) princípio estruturante o Estado Democrático de Direito (artigo 1º, caput, da CRFB); (II) como fundamento à livre iniciativa (artigo 1º, IV, da CRFB); e (III) por princípio fundamental a proteção à propriedade intelectual (artigo 5º, incisos XXVII e XXVIII, da CRFB).
Grife-se: a proteção à propriedade intelectual é o ânimo da Lei de Direitos Autorais, cujo referencial constitucional encontra-se no artigo 5º, incisos XXVII e XXVIII, na Lei Maior. Ademais, é cediço, conforme farta jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – Resp 556.340, Relator Ministro Carlos Menezes Direito -, que “a nova legislação quis impor uma disciplina bem mais estrita para impedir que os titulares dos direitos autorais fossem prejudicados”. Importante ressaltar: “disciplina mais estrita”, quer dizer em pleno compasso com o artigo 5º, incisos XXVII e XXVIII, da Carta Constitucional brasileira, que, aliás, completava seu décimo ano de existência, quando publicada a LDA – 9.610/98.
Conquanto, a nova Lei 12.853 carece de qualquer substrato constitucional, aparentemente visível. Não obstante, proporciona um retrocesso legislativo que distancia a Lei Autoral dos vigentes preceitos constitucionais que, com o advento da Lei 9.610/98, buscava, justamente, atualizar a legislação autoral para os ditames da nova arquitetura axiológica da CF/98.
Todavia, qualquer crítica exarada, nesta fase pós-sanção presidencial, mostrar-se-ia absolutamente inócua, ante a sua iminente entrada em vigor, em dezembro do corrente ano, restando-nos, apenas, empregar esforços hermenêuticos para concebermos as vindouras mudanças, no que tange à Gestão Coletiva de Direitos Autorais no Brasil, nem que, para tanto, seja necessário ressuscitarmos velhas teorias jurídicas para harmonizarmos “velhas” Leis infraconstitucionais com a vigente malha axiológica inserta na Constituição Federal de 1988. Constitucionalização da Gestão Coletiva de Direitos Autorais? Sim!  Uma Lei com espírito de 1973 precisa, sim, ser Constitucionalizada.
Por Maurício Brum Esteves
Imagens meramente ilustrativas: www.sxc.hu

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