quarta-feira, 14 de março de 2012

Homoafetividade e o combate ao fraco discurso da natureza humana



Diz-se que o Direito regula a sociedade. Discordo! O Direito constrói, cria a sociedade. O Poder Judiciário interpreta e carrega de valores os preceitos emanados pelo Poder Legislativo e constrói uma determinada realidade, em um determinado período de tempo. De natural, não possui nada.
Os ensinamentos da física quântica já nos dão cabo de que as interações de uma pessoa com um objeto é suficiente para alterar suas características. Ou seja, o próprio observar, pelo simples ato de observar, acaba recriando o objeto. Assim também ocorre com a sociedade. Cada período histórico é (re)criado pelas regras que são observadas naquele determinado período.
A sociedade, nos moldes que conhecemos atualmente, foi construída a partir do Renascimento e do Iluminismo. Principalmente no que tange ao Direito de Família, todos os conceitos que hoje podem ser alegados, pelos mais conservadores, como "naturais", não passam de criação do homem, em um determinado período da história.
O paradigma de uma família formada por um homem e uma mulher, sob os auspícios do sagrado casamento, patriarcal e hierarquizada, encontra sua gênese na modernidade. Curioso notar, neste sentido, que a Codificação civil que serviu de modelo para o Código Civil brasileiro de 1916, em grande parte mantida pela codificação civil de 2002, encontra sua origem na modernidade, mais precisamente na França revolucionária do final do século XIX.
Em que pese alguns cientistas do Direito, ainda, se esforcem para buscar a partícula fundamental e indivisível do que representaria a natureza humana, conceituando juridicamente o homem e suas relações – e, consequentemente, excluindo todo aquele que não se encaixe nos conceitos - a constatação da complexidade torna esta tarefa uma utopia. Esta suposta natureza humana não passa de um discurso totalitário para impor, a partir do fraco argumento do Direito Natural e da Tradição, um modelo de sociedade absolutamente incongruente com os dias atuais.
Quando o público homossexual foi, progressivamente, ganhando espaço no Poder Judiciário, tendo seus Direitos reconhecidos na qualidade de cidadãos brasileiros, protegidos pela Constituição Federal pátria, uma enxurrada de juristas começou a criticar esta avançada corrente jurisprudencial, que resolveu dar um passo adiante e garantir a todos os brasileiros os mesmos direitos, independentemente de orientação sexual.
Encontrar exemplos destes juristas não é uma missão muito difícil. Há pouco, e.g., foi publicado no editorial do Jornal Zero Hora desta segunda feira, dia 12 de março de 2012, um artigo criticando a decisão dos juízes em conceder a adoção de uma criança para um casal homossexual, sob o fundamento de que esta decisão contraria a tradição e a natureza humana. Afirma o autor, que uma criança tem o direito de ser criado por um pai e uma mãe.
Este pequeno exemplo é apenas mais um entre muitos, que se valem do fraco discurso da natureza humana para criticar as relações homossexuais e os demais direitos que, com muito sangue e suor, foram conquistados pelo público gay perante o Poder Judiciário que, aliás, vem suprindo uma tremenda omissão do Poder Legislativo, que insiste em não aprovar qualquer lei que assegure a proteção aos direitos do público gay.
Por fim, cumpre salientar que a posição deste Blog sempre foi no sentido da desnecessidade de uma legislação ordinária para garantir eficácia aos Direitos do público gay. Entretanto, já estamos mudando de ideia! Para facilitar o diálogo com os "amantes da lei", já estamos considerando a possibilidade de que se tornando Lei, os Direitos Homoafetivos também possam desfrutar da alcunha "Natural"! Ou será que mesmo assim não se encaixariam neste conceito?  
*Por Maurício Brum Esteves

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