Conheço o Bruno Silveira Rigon
há bastante tempo. Trata-se de um baita amigo, e excelente parceiro,
desde as tenras épocas de Colégio Rosário. Durante a faculdade de
Direito, nossa parceria seguiu firme, e se expandiu (e muito), inclusive
para um curta, mas profícua e engrandecedora parceria na advocacia!
Deste então, inúmeras têm sido as discussões acadêmicas e profissionais.
"Salvamos o mundo" inúmeras vezes, e em tantas outras parecia que nada
mais teria solução. Hoje, um pouco mais experientes (nem tanto kkkkk),
canalizamos todo esse tesão pela "Ciência" do Direito, e nos lançamos ao
mar com essa primeira (e ainda tímida) contribuição ao mundo do
Direito. Espero que gostem!
Projeto de censura na Internet?
por Bruno Silveira Rigon e Maurício Brum Esteves - 12/04/2016
No último dia 30/03/2016, a Comissão Parlamentar de Inquérito dos Crimes Cibernéticos, criada em 17/07/15 “para investigar a prática de crimes cibernéticos e seus efeitos deletérios perante a economia e a sociedade neste país”, apresentou seu Relatório Final.
Em que pese sejam inquietantes os dados apresentados, que justificaram a
própria criação da CPI dos Crimes Cibernéticos – como, e.g., o
crescimento, entre 2013 e 2014, de 192,93% nas denúncias envolvendo
páginas na Internet suspeitas de tráfico de pessoas, bem como que, em
2010, os gastos com crimes cibernéticos, no Brasil, chegaram a incríveis
US$ 15,3 bilhões – as conclusões e encaminhamentos finais sugeridos no
Relatório Final da CPI dos Crimes Cibernéticos foram recebidos com
bastante preocupação pela comunidade jurídica, que vê, na essência dos
encaminhamentos propostos, reflexos de práticas adotadas em períodos
antidemocráticos, que pouco coadunam com a proposta democrática da Carta
Magna de 1988.
Não podemos, entretanto, cair em uma análise alarmista simplesmente
rejeitando todas as proposições formuladas na CPI, pois existem alguns
pontos bem elaborados (como o projeto de lei que adiciona a educação
digital entre as diretrizes do Plano Nacional de Educação – PNE, por
exemplo). Contudo, existem projetos de lei oriundos da CPI dos Crimes
Cibernéticos que se destacam por apresentar uma faceta antidemocrática
que precisa ser objeto de uma leitura crítica. Destacamos, nesse breve
espaço, dois projetos que dispõem sobre (i) o procedimento específico
para a retirada de conteúdos que atentem contra a honra e sobre (ii) a
possibilidade do bloqueio de aplicação de Internet por ordem judicial. O
presente texto ocupa-se do exame crítico da primeira propositura.
O primeiro projeto (i) visa alterar o Marco Civil da Internet para
que conteúdos violadores do bem jurídico “honra” sejam removidos de
forma célere da Internet, sem necessidade de decisão judicial, sob pena
de responsabilização solidária dos provedores de aplicação (art. 21-A). A
justificativa de tal alteração está ancorada nos danos irreversíveis
que os crimes contra a honra praticados nas redes sociais podem
ocasionar, na necessidade de uma resposta célere em virtude da rápida
“viralização” dos conteúdos, na impossibilidade prática do direito ao
esquecimento, bem como na penalização que as vítimas desse tipo de
delito sofrem. Tais vítimas, inclusive, podem ser políticos, já que uma
das justificativas deixa clara a preocupação com os pleitos eleitorais,
que “podem ser extremamente influenciados por campanhas difamatórias
praticadas pela internet, ainda mais em se considerando o curto tempo
das campanhas eleitorais”. Ao final, invoca-se o argumento que a demora na remoção desses crimes praticados na web pode “custar vidas e resultar em prejuízos, inclusive à democracia”.
O efeito imediato desse projeto de lei é a censura.
Há nítida e expressa menção na justificativa do PL de que o método
judicial para derrubada de conteúdo não atenderia às “necessidades” dos
períodos eleitorais. Grifamos que a “honra” de que trata o artigo 21
original do MCI, dialoga com a “honra” dos crimes contra a “honra”. Ou
seja, o ânimo é o que evitar que crimes sexuais ou exposições indevidas
da intimidade de pessoas (revange porn) circulem da Internet.
De forma sorrateira esse PL busca desvirtuar o conceito de “honra”,
estritamente vinculada ao conceito semântico de sexo, para incluir, em
um artigo 21-A, a “honra” lato sensu como hipótese para “fugir”
do procedimento judicial criado pelo MCI justamente com o intuito de
evitar a censura e promover a liberdade de expressão.
Em um período eleitoral o efeito imediato da alteração pretendida por
este PL será o de que todo e qualquer comentário contrário aos
políticos será imediatamente retirado pelos provedores de aplicação, sob
pena dos próprios provedores serem subsidiariamente responsabilizados.
Importante salientar que, mesmo com o MCI em vigor nas últimas eleições
presidenciais, inúmeros foram os pedidos de retiradas judiciais de
conteúdo por políticos, todos eles vinculados à competência do Tribunal
Eleitoral, que, por gozar de pouco ou nenhum conhecimento sobre o
funcionamento da rede, determinaram a retirada maciça de conteúdos
contrários aos interesses de políticos. O artigo 21-A pretendido por
este PL será um nítido retrocesso das liberdades criadas pelo MCI.
O ânimo cristalino desse PL, não é o de simplesmente criar um meio
para retirada de conteúdo sem ação judicial. Conforme é cediço, a
prática nos indica que os provedores de aplicação efetuam a retirada de
conteúdo após uma simples notificação, sem afrontar o MCI. Isso porque
os Termos de Uso e Políticas de Privacidade do site são
utilizados como norteador para o uso ilegal da aplicação. Nesse sentido,
os próprios provedores, de ofício ou mediante simples notificação,
costumam retirar conteúdo ilícito, criminoso ou que, simplesmente, seja
vedado pelos Termos de Uso e Políticas de Privacidade da ferramenta. O
que o PL pretende criar, entretanto, é um meio coercitivo para que os
provedores de aplicação sintam-se obrigados a efetuar a retirada de
conteúdo, colocando-os com responsabilidade solidária caso a retirada
não ocorra em 48h – sem qualquer exame de mérito.
Não bastasse a previsão anterior, abusiva por si só, o PL vai além e
pretende que o provedor que operou a retirada permaneça em constante
fiscalização para retiradas de conteúdo “similar” aquele cuja
notificação já foi dirigida (art. 21-B). Nesse sentido, podemos
transcrever a justificativa do PL: “O segundo ponto tratado pelo
projeto, que guarda estreita relação com o primeiro, diz respeito à
extensão das remoções a todos os conteúdos similares, postados em
momento posterior à obtenção da decisão judicial”. Além disso, é
preciso observar atentamente o contexto sociopolítico em que o Relatório
Final da CPI dos Crimes Cibernéticos está inserido. Qual esse contexto?
Guerra pelo trono à brasileira. Disputa de poder para ocupar a cadeira
do governo federal. Seja qual for o cenário pós-processo de impeachment,
o perigo do retorno da velha prática autoritária da censura, ainda que
metamorfoseado devido às transformações da sociedade contemporânea com
as revoluções informacional e digital, é concreto.
O pior: seu discurso de legitimação vem com argumento baseado na
democracia e, por isso, lhe confere uma “aparência democrática”. Agora a
democracia serve de escudo para legalizar a censura na Internet.
Trata-se de uma a retórica que usa a democracia a pretexto de justificar
práticas autoritárias. Discurso democrático contra a democracia. É a
inversão ideológica do discurso democrático justamente para ferir a
democracia. Nosso papel, aqui, é de passar um demaquilante na face
desses projetos legislativos a fim de tirar-lhes a maquiagem que esconde
a velha, antiga e feia cara do autoritarismo.
O próprio inventor da web, Tim Berners-Lee, preocupado com a
possibilidade do retrocesso legal em nosso país enviou uma carta aberta
ao poder legislativo brasileiro fazendo um apelo pela rejeição das
propostas inseridas no relatório.
Aliado a tudo isso temos no mesmo cenário a aprovação de uma lei
antiterrorismo que pode, a depender da arbitrariedade da interpretação,
considerar terrorista aquele manifestante que reivindique seus direitos.
Parece que há uma tentativa de imunizar e blindar o poder político,
sufocando a voz daqueles que protestam.
*Artigo publicado no Canal Ciências Criminais, em 12/4/2016: http://canalcienciascriminais.com.br/artigo/projeto-de-censura-na-internet/
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