segunda-feira, 7 de abril de 2014

Impressoras 3D e a Propriedade Intelectual


Texto publicado em http://www.piccininiserrano.com.br/impressoras-3d-e-a-propriedade-intelectual/

printing-machine-1429199-mQuando Chuck Hull mostrou ao mundo, em meados dos anos 80, a primeira impressora 3D, criando a possibilidade de imprimir objetos em três dimensões, operou-se uma verdadeira mudança paradigmática na indústria, ante mera perspectiva de aumento da pirataria de produtos, o que forçaria, consequentemente, a Propriedade Intelectual a repensar alguns de seus conceitos.

Importante lembrar que as leis da Propriedade Intelectual, à época, não sabiam lidar com o modo volátil que, atualmente, usamos, (com)partilhamos e descartamos os objetos. E, em meados dos anos 80, com advento da primeira impressora 3D, criou-se a possibilidade, dentre outros, da impressão de brinquedos, utensílios de cozinha, peças decorativas, móveis, bijuterias, armas, entre inúmeras outras utilidades, por preços muito mais vantajosos do que os vendidos no varejo.

Em síntese, ”as impressoras 3D usam um processo de fabricação, no qual um objeto tridimensional sólido de praticamente qualquer formato e tamanho é reproduzido a partir de um modelo digital, (…) utilizando um processo aditivo, em que várias camadas de material são fixadas em diferentes formas”[1].

A nova tecnologia que passou a ser utilizada, de forma lícita, para uma infinidade de aplicações, fomentando a inovação, criou, entretanto, um impasse com relação a utilização ilícita da nova tecnologia: “o consumidor que imprime um objeto em casa só paga a máquina e a matéria-prima. Não os custos associados à pesquisa, comercialização e distribuição dos produtos”[2]. Portanto, indaga-se: como proteger a propriedade intelectual inserida nos produtos da reprodução não autorizada, através das impressoras 3D?

Por enquanto, trata-se de uma celeuma sem resposta, entretanto, a indústria diretamente interessada já está correndo para desenvolver tecnologias que possam frear esse possível avanço na pirataria de produtos, como é o caso da a patente 8286236, requerida nos Estados Unidos da América, pela empresa Intellectual Ventures of Bellevue, que pretende bloquear impressoras 3D ao reproduzir arquivos com direitos autorais, utilizando um mecanismo que se assemelha ao sistema DRM (digital rights management) usado para impedir a cópia de arquivos digitais[3].


Por Maurício Brum Esteves

quarta-feira, 12 de março de 2014

Direitos autorais e a fotografia na constância da relação de trabalho

*Texto publicado em http://www.piccininiserrano.com.br/direitos-autorais-e-a-fotografia-na-constancia-de-relacao-de-trabalho/

digital-camera-875180-mDe acordo com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o fotógrafo contratado para registrar festividades ou eventos não é titular dos direitos autorais das fotografias colhidas, uma vez que apenas cumpriu ordens e prestou os serviços para os quais foi contratado.
Com este entendimento, o TJ/MG, através de sua 10ª Câmara Cível, negou provimento ao recurso de apelação do fotógrafo, Valmir da Silva, que pedia a condenação do músico, Marcos Viana, e da empresa, Sonhos e Sons Ltda., pela utilização de fotografias de sua autoria em três encartes de CDs, sem os devidos créditos [1].
No caso dos autos, o fotógrafo Valmir foi contratado, e recebeu remuneração, para cobrir dois eventos realizados pelo estúdio de dança, “Brigitte Bacha”, com finalidade de divulgação publicitária do estúdio. Posteriormente, conquanto, por entender que a propriedade das fotos lhe pertencia, e não ao fotógrafo que as sacou, o estúdio de Brigitte acabou por ceder os direitos autorais das fotografias objetos da lide, ao músico Marcos Viana, e à empresa, Sonhos e Sons Ltda., que utilizaram as imagens na confecção de três CDs de grande repercussão nacional: “Danças do Ventre de ‘O Clone’”, “Jihad Akel – The Magic Arab Violin” e “CD oficial da novela ‘O Clone’”.
Ao julgar o caso, em primeira instância, o Magistrado da 30ª Vara Cível de Belo Horizonte, Geraldo David Camargo, condenou a empresa e o músico a pagar R$ 2,5 mil ao fotógrafo, referente ao dano moral devido a ausência de créditos nas imagens. No mais, ou seja, no que tange a possibilidade de cessão não autorizada da obra fotográfica para terceiros, entendeu o Tribunal que “se o autor já foi remunerado pelo serviço que prestou, não pode pedir nova reparação material”.
Em segundo grau de jurisdição, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no mesmo sentido, acordou que “o fotógrafo contratado para registrar festividades ou eventos, notadamente se subordinado às coordenações do contratante, não é titular dos direitos autorais das fotografias colhidas, pois nada expressou, apenas cumpriu ordens e prestou os serviços para os quais foi contratado”.
photographer-844224-mTodavia, conforme é cediço, a decisão em tela destoa da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que, em caso análogo – REsp 1034103 / RJ, DJe 21.09.2010 -, já decidiu “que a fotografia é obra protegida por direito do autor, e, ainda que produzida na constância de relação de trabalho, integra a propriedade imaterial do fotógrafo, não importando se valorada como obra de especial caráter artístico ou não” [2].
Neste mesmo julgado, os Ministros acordaram que “o empregador cessionário do direito patrimonial sobre a obra não pode transferí-lo a terceiro, mormente se o faz onerosamente, sem anuência do autor”.
Aliás, o desacerto da decisão do TJ/MG resta evidente, na medida em que a questão acerca da impossibilidade da cessão não expressa dos direitos autorais advinda pela simples existência do contrato de trabalho não é nova nos Tribunais pátrios, já tendo sido objeto de outros julgados, como é o caso do REsp 121.757, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 08.03.2000.
NOTAS:
[1] TJ/MG, 10ª Câmara Cível, Apelação Cível 1.0024.08.122424-8/002, Des.(a) Gutemberg da Mota e Silva, DJe 11.02.2014: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – INDENIZAÇÃO – DIREITO DO AUTOR – FOTOGRAFIAS – CRIAÇÃO DE ESPÍRITO – OBRA ARTÍSTICA – DIREITO DE USO. – O direito autoral deve ser reconhecido a quem realmente manifestou uma criação do espírito, decorrente da sua criatividade, talento, sensibilidade. O fotógrafo contratado para registrar festividades ou eventos, notadamente se subordinado às coordenações do contratante, não é titular dos direitos autorais das fotografias colhidas, pois nada expressou, apenas cumpriu ordens e prestou os serviços para os quais foi contratado. – A reprodução de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob encomenda, não constitui ofensa aos direitos autorais quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado (art. 46, I, “c”, da Lei nº 9.610/98). – Recurso não provido.
[2] STJ, REsp 1034103 / RJ, Ministra Relatora NANCY ANDRIGHI, Ministro Relator do Acórdão SIDNEI BENETI, T3 – Terceira Turma, DJe 21.09.2010: DIREITO AUTORAL. FOTÓGRAFO CONTRATADO. RELAÇÃO DE TRABALHO. PROPRIEDADE IMATERIAL INALIENÁVEL DAS FOTOGRAFIAS. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO DO AUTOR DA OBRA PARA A PUBLICAÇÃO POR TERCEIROS. DESNECESSÁRIA A CESSÃO, CONTUDO, PARA A PUBLICAÇÃO PELO PRÓPRIO EMPREGADOR. I – A fotografia é obra protegida por direito do autor, e, ainda que produzida na constância de relação de trabalho, integra a propriedade imaterial do fotógrafo, não importando se valorada como obra de especial caráter artístico ou não. II – O empregador cessionário do direito patrimonial sobre a obra não pode transferí-lo a terceiro, mormente se o faz onerosamente, sem anuência do autor. III – Pode, no entanto, utilizar a obra que integrou determinada matéria jornalística, para cuja ilustração incumbido o profissional fotógrafo, em outros produtos congêneres da mesma empresa. IV – Recurso Especial provido.
*Ilustração de banco de imagens gratuito
Maurício Brum Esteves

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Direitos autorais na Arquitetura: a Resolução nº 67/2013 (CAU/BR)

*Texto publicado em: http://www.piccininiserrano.com.br/direitos-autorais-na-arquitetura-a-resolucao-no-672013-caubr/

architecture-850370-mEm março de 2014, entrará em vigor a Resolução n° 67, de 5 de dezembro de 2013, do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/BR), que dispõe, ao longo de trinta e seis artigos, sobre os Direitos Autorais na Arquitetura e Urbanismo, estabelecendo normas e condições para a proteção dos projetos, obras e demais trabalhos técnicos de criação (artigo 2º, da Resolução nº 67), através do Direito Autoral.
Dentre as inovações empregadas, a Resolução prevê, em seu artigo 7º, a possibilidade do Registro facultativo da obra intelectual, no próprio Conselho (CAU), desde que, o arquiteto ou urbanista, nacional ou estrangeiro, esteja com registro ativo no CAU, vedando, expressamente, no §2º, do artigo 7º, da mencionada Resolução nº 67, o registro de projeto ou outro trabalho técnico de criação de arquiteto e urbanista que, à época da realização da atividade, não possuía registro ativo no CAU.
Além disso, a nova Resolução dispõe, de forma expressa, em seu artigo 21, considerar-se plágio em Arquitetura e Urbanismo a reprodução de “pelo menos dois dos atributos do projeto ou obra dele resultante”, conforme listados nos incisos, a seguir transcritos: I – partido topológico e estrutural; II – distribuição funcional; III – forma volumétrica ou espacial, interna ou externa. Assim, presentes dois dos requisitos em tela, o plágio estará configurado, mesmo que, conforme ressalva o parágrafo único, do artigo 21, da Resolução nº 67, os materiais, detalhes, texturas e cores forem diversos do original.
Recebida com bastante otimismo pelos arquitetos e urbanistas interessados em proteger suas criações como obra autoral, a Resolução promete ser paradigmática no que tange ao tratamento da arquitetura como produto cultural, o que, na opinião presidente do CAU-BR, Haroldo Pinheiro, em entrevista publicada em [1], “valoriza não só o caráter singular de uma obra, mas o trabalho do arquiteto de visualizar soluções inovadoras”.
A Resolução nº 67, do Conselho de Arquitetura e Urbanismo está disponível online, e pode ser acessada através do site [2]. Além disso, para saber mais sobre a Resolução, que entrará em vigor na próxima semana, indicamos a leitura da notícia “Direitos autorais na Arquitetura e Urbanismo são regulamentados”, disponível em [3].
[1] CAU/SE. Direitos autorais na Arquitetura e Urbanismo são regulamentados. Disponível no site:http://www.cause.org.br/?p=4718. Acessado em 24.02.2014, às 15h37.
[2] CAU/BR. Resolução nº 67, de 05 de dezembro de 2013. Disponível no site:http://www.caubr.gov.br/wp-content/uploads/2012/07/RES-67DIREITOAUTORALAPROVADA25RPOFINAL.pdf. Acessado em 24.02.2014, às 15h37.
[3] CAU/SE. Direitos autorais na Arquitetura e Urbanismo são regulamentados. Disponível no site:http://www.cause.org.br/?p=4718. Acessado em 24.02.2014, às 15h37.
Por Maurício Brum Esteves
*Ilustração de banco de imagem gratuita.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Direitos Autorais, Streaming e a Revolução na Indústria da Música

* Texto publicado em http://www.piccininiserrano.com.br/direitos-autorais-streaming-e-a-revolucao-na-industria-da-musica/

Se nos últimos anos, a tecnologia streaming nascia, para a indústria da música, como uma distante promessa, para atenuar a pirataria de obras musicais, em 2014, ao que tudo indica, iniciou o ano como “revolucionária”. E, porque a tecnologia streaming pode ser chamada de revolucionária? Pela simples razão de que facilita e aproxima o consumo de obras musicais, lícitas, do hábito dos consumidores.
Importa lembrar, conforme já destacamos neste Blog, que nos anos que seguiram a década de 90’, a indústria da música viu crescer, consideravelmente, a “sombra” da pirataria de obras musicais, que com a propulsão dos meios de comunicação em massa e o advento da internet, encontrou meios facilitados de se propagar na rede mundial de computadores.
As razões para o crescimento das cópias de obras musicais ilícitas são as mais variadas, conquanto, podemos afirmar, com certa segurança, que uma das principais causas foi a própria omissão da indústria da música, que demorou cerca de uma década para perceber que os hábitos dos seus consumidores haviam mudado, do analógico para o digital, e, finalmente, para as nuvens, mais recentemente.
Assim, pelo simples fato de trazer o consumo lícito de obras musicais ao alcance dos consumidores, é que a tecnologia streaming é digna de louvor, e de ser chamada de “revolucionária”, em um mercado que arrecadou, conforme dados Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), US$65 milhões em royalties, no ano de 2013.
Neste viés, compartilhamos, a seguir, um interessante texto, publicado no sítio eletrônico da Agência Brasil, fazendo uma análise dos benefícios da tecnologia streaming, e o que esperar para o futuro.
Maurício Esteves
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Serviços de música online revolucionam direitos autorais
Agência Brasil – “Que discos levar para uma ilha deserta?” Atualmente, a resposta poderia ser todas as músicas do mundo. Por meio dos serviços de streaming (execução online), um acervo ilimitado de canções pode ser ouvido pela internet. Basta pagar uma mensalidade para ter acesso a músicas de todos os estilos e de todas as épocas no computador, no celular, no tablet e até em determinados tipos de televisão.
Usada em uma peça de serviços de música pela internet, a pergunta sobre a ilha deserta revela que ostreaming de canções está provocando uma revolução no mercado musical. Segundo especialistas, as inovações não se limitam à comodidade. O próprio sistema de direitos autorais, dizem, poderá encontrar o caminho para sair do impasse entre as gravadoras e as mídias digitais.
“Os serviços de streaming permitem que a indústria e os provedores de internet enfim cheguem a um acordo sobre o pagamento de direitos autorais. O conceito de ter uma assinatura que dá direito a ouvir tudo, em qualquer lugar, não invalida o consumo individual da música e monetiza [leva dinheiro] para as gravadoras. Basta deixar de pagar para não ter mais acesso”, explica o advogado Sydney Sanches, presidente da Comissão de Direito Autoral e Propriedade Industrial do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).
Segundo Sanches, sistemas de assinatura online como Deezer, Terra Napster e Spotify (em fase de teste no Brasil) representam a terceira fase da distribuição digital de músicas. A primeira, relata, consistia no controle do suporte físico (LP e CD) pelas gravadoras, na época em que a indústria tentou proibir a qualquer custo a reprodução de canções pela internet. A segunda, diz, surgiu em meados dos anos 2000, quando as gravadoras chegaram a um acordo com algumas empresas e surgiram as páginas de download legalizado.
As ferramentas de streaming, ressalta o advogado, são mais flexíveis que as lojas digitais de música. “Nas lojas online, o suporte é digital, mas o raciocínio ainda é analógico. O usuário precisa comprar e armazenar cada canção”, explica Sanches. “O avanço definitivo só veio com os serviços de músicasonline, que harmonizaram o conceito de internet e a distribuição de conteúdos artísticos”, completa.
Para o especialista em direito autoral Allan Rocha de Souza, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), os serviços online de assinatura mostram que tanto as gravadoras como as empresas de internet estão amadurecendo e adaptando-se à realidade do século 21. “A indústria começou a oferecer opções em vez de apenas brigar com os sites”, diz.
De acordo com o professor, a internet fez a indústria perder o controle sobre a produção de conteúdos artísticos e criou uma demanda efetiva por acesso à cultura. “A indústria tentou reprimir num primeiro momento, o que gerou briga. Levou muitos anos para as gravadoras se convencerem de que era necessário encontrar outra solução e passar a arrecadar com a internet”, declara.
Apesar das vantagens para o consumidor e de uma perspectiva para as gravadoras, Souza diz que os serviços de streaming ainda estão em fase inicial e precisam amadurecer. “Acredito que essas ferramentas ainda não atendem à demanda por cultura, seja por mensalidades altas, seja pelo caráter temporário dos downloads. Alguns serviços permitem que os usuários baixem músicas para ouvirem quando estiverem desconectados, mas as bloqueiam assim que ele sai do serviço”, critica.
Outro ponto de preocupação, destaca o professor, consiste na possível invasão de privacidade pelas empresas que oferecem os serviços de streaming. “As empresas detêm a informação sobre o que cada um ouve. Isso abre brecha para comportamentos abusivos, como a inserção de anúncios e sugestões personalizadas”, adverte.
Em relação à pirataria, Sydney diz que as ferramentas de assinatura online contribuem para diminui-la, embora não sejam capazes de erradicar o consumo ilegal de músicas. “Qualquer serviço tem custos, que são pagos pelos consumidores. É impossível abolir a pirataria, que é de graça. O desafio, para os próximos anos, é oferecer serviços legais, de qualidade e de baixo custo”, analisa.
Agência Brasil – http://www.ebc.com.br/cultura/2014/01/servicos-de-musica-online-revolucionam-direitos-autorais

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Domínio Público de Obras Estrangeiras

* Texto publicado em http://www.piccininiserrano.com.br/dominio-publico-de-obras-estrangeiras/

Conforme é cediço, os Direitos Autorais – protegidos pela Lei brasileira – possuem natureza híbrida. Ou seja, significa que o conjunto de prerrogativas do autor é tratado, na legislação autoral pátria, Lei 9.610/98, sob dupla perspectiva: “moral”, afetos aos Direitos de Personalidade, insertos nos artigos 24 a 27; e “patrimonial”, de cunho financeiro e monetário, previstos nos artigos 28 a 45, todos da Lei 9.610/98.
No que tange ao prazo de proteção desses direitos, enquanto que as prerrogativas morais do autor são inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, a teor do artigo 27, da Lei Autoral, o direito patrimonial – constituído pelo direito exclusivo em utilizar, fruir e dispor da obra, conforme preconiza o artigo 28, da Lei 9.610/98 – possui limitação temporal de 70 anos, nos termos dos artigos 41 e seguintes, da Lei Autoral [1]. Após este período, findo o prazo de proteção, a obra cai em domínio público, podendo ser utilizada livremente.
Cumpre asseverar, haja vista a importância da questão, que a limitação temporalde 70 anos não abrange os direitos morais do autor, que, conforme já mencionado, são inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis.
A despeito, cumpre trazer à baila advertência de Plínio Cabral:
“Isso, como se sabe, não inclui os direitos morais, que são inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis. A obra em domínio público não pode ser alterada, nem mesmo pelos sucessores do autor, embora possa ser objeto de manipulação permitida pela lei”. [CABRAL, PLÍNIO, 2011]
Em sendo assim, diz-se em domínio público, no Brasil, a obra sobre a qual não existe titular de direitos econômicos de exclusividade, seja em razão do transcurso da limitação temporal de 70 anos, conforme prevê o artigo 41, da Lei Autoral, ou pelo fato de o autor falecido não ter deixado sucessores, nos termos do artigo 45, do mesmo diploma legal, podendo, portanto, ser a obra livremente utilizada.
Conquanto, peculiar situação surge quando nos deparamos com a questão do domínio público no âmbito internacional, em razão da diferença nos prazos de proteção estabelecidos entre os diferentes países, o que pode ocasionar que determinada obra entre em domínio público em um país, e não entre em outro, cujo prazo de proteção seja maior, por exemplo.
Aliás, oportuno trancrever o esclarecedor exemplo do doutrinador Sérgio Branco sobre a problemática em tela,in verbis:
“Em 2004, o Projeto Gutemberg Austrália (http://gutenberg.net.au/) foi notificado pelos herdeiros de Margareth Mitchell, autora de “…E o vento Levou”, por conta da disponibilização, na página do wbsite, da íntegra da obra.
Mitchell escreveu “…E o Vento Levou” em 1963 e veio a falecer em 1949. De acordo com a lei australiana de direitos autorais vigentes em 2004, as obras literárias eram protegidas pelo prazo de 50 anos contados da morte do autor. Portanto, a proteção autoral sobre “…E o Vento Levou” havia se encerrado, ao menos na Austrália, em 1999.
No entanto, nos Estados Unidos, o livro apenas entrará em domínio público em 2031 (95 anos contados da publicação), por conta do prazo de proteção previsto legalmente” [SÉRGIO BRANCO, 2011].
O caso em comento é bastante elucidativo, pois diferentes países, com prazos de proteção distintos, litigam em face de uma obra que, nos Estados Unidos ainda é protegida por direito autoral, mas que na Austrália já havia entrado em domínio público, sendo, portanto, de livre uso.
Importa salientar, que muito embora haja uma tendência mundial em harmonizar o prazo legal de proteção em 70 anos, a exemplo da União Européia, Austrália [2] e Brasil, ainda há inúmeras diferenças nos prazos de proteção concedidas para a obra autoral. Alguns países optam por conceder prazos menores, a exemplo da Coréia do Sul – 50 anos -, e outros, também, prazos maiores, a exemplo do México, Estados Unidos, Colômbia e Costa do Marfim [SÉRGIO BRANCO, 2011].
Assim, em razão da diferença nos prazos de proteção, surge a problemática a respeito de “como harmonizar a proteção às obras intelectuais quando países as protegem por períodos distintos”? [SÉRGIO BRANCO, 2011]
De acordo com a Convenção de Berna [3], há duas soluções a serem observadas: (I) regra do tratamento nacional que importa em dar o mesmo tratamento para nacionais e estrangeiros, sem qualquer discriminação; (II) a regra do prazo mais curto, ou seja, o prazo de proteção não excederá a duração fixada no país de origem da obra.
No caso do Brasil, o legislador optou por privilegiar, no artigo 2º, da Lei 9.610/98, o princípio do tratamento nacional, que é um dos basilares da maioria dos Tratados Internacionais, desde a Convenção da União de Paris/1883.
Art. 2º Os estrangeiros domiciliados no exterior gozarão da proteção assegurada nos acordos, convenções e tratados em vigor no Brasil.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei aos nacionais ou pessoas domiciliadas em país que assegure aos brasileiros ou pessoas domiciliadas no Brasil a reciprocidade na proteção aos direitos autorais ou equivalentes.
Portanto, no Brasil, em razão da previsão legislativa em tela, que reflete o princípio do tratamento nacional, a Lei de Direitos Autorais pátria – 9.610/98 – é aplicada, indistintamente, tanto para nacionais, quanto para estrangeiros. Ou seja, mesmo que a legislação de outro país preveja proteção menor (do que 70 anos) para os seus próprios nacionais, no Brasil a obra será protegida por 70 anos.
Por fim, caso a Lei brasileira fosse omissa, a proteção para as obras internacionais respeitaria a regra do prazo mais curto, o que importa afirmar, por exemplo, que países que protegem suas obras por prazo inferior a 70 (setenta) anos, no Brasil seriam protegidas pelo mesmo prazo, em detrimento da regra geral, inserta no artigo 41, da Lei 9.610/98, que seria aplicável, apenas, para nacionais, ou para países cuja proteção excedesse a brasileira.
NOTAS:
[1] Lei 9.610/98: “Art. 41. Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil”.
[2] Em acordo bilateral exarado com os Estados Unidos, no ano de 2004, a Austrália aumentou para 70 (setenta) anos o prazo de proteção.
[3] Convenção de Berna, art. 7º (8): “Em quaisquer casos, a duração será regulada pela lei do país em que a proteção for reclamada; entretanto, a menos que a legislação deste último país resolva de outra maneira, a referida proteção não excederá a duração fixada no país de origem da obra [defino nos termos do art. 5º (4)]”.
Por Maurício Brum Esteves

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Opinião – Marco Civil da Internet e a Jurisprudência do STJ


*Texto publicado em http://www.piccininiserrano.com.br/opiniao-o-marco-civil-da-internet-e-a-jurisprudencia-do-stj/

INTERNETEnquanto não é promulgado o Marco Civil da Internet, projeto de Lei que visa estabelecer direitos e deveres na utilização da Internet no Brasil, os Tribunais pátrios permanecem suprindo a omissão legislativa através da aplicação de suas próprias jurisprudências para decidir casos envolvendo o uso da Internet.
Assim, por exemplo, nas semanas em que se acirram as discussões pela aprovação do Marco Civil, e, especialmente, da responsabilidade dos servidores por conteúdo postado em páginas da Internet, o Superior Tribunal de Justiça publica, em seu informativo de jurisprudência nº 528, o REsp 1.381.610-RS(1), da relatoria da Ministra Nancy Andrighi, fortalecendo a aplicabilidade da Súmula 221 (2), do STJ, e, via de conseqüência, da própria jurisprudência do Excelso Tribunal de Justiça, quando o assunto é responsabilidade civil por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros na Internet.
DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO TITULAR DE BLOG PELOS DANOS DECORRENTES DA PUBLICAÇÃO EM SEU SITE DE ARTIGO DE AUTORIA DE TERCEIRO.
O titular de blog é responsável pela reparação dos danos morais decorrentes da inserção, em seu site, por sua conta e risco, de artigo escrito por terceiro. Isso porque o entendimento consagrado na Súmula 221 do STJ, que afirma serem “civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação”, é aplicável em relação a todas as formas de imprensa, alcançado, assim, também o serviço de informação prestado por meio da internet. Nesse contexto, cabe ao titular do blog exercer o controle editorial das matérias a serem postadas, de modo a evitar a propagação de opiniões pessoais que contenham ofensivos à dignidade pessoal e profissional de outras pessoas. REsp 1.381.610-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 3/9/2013.
Segundo consta no julgado, “o titular de blog é responsável pela reparação dos danos morais decorrentes da inserção, em seu site, por sua conta e risco, de artigo escrito por terceiro”. Não obstante, restou asseverado que o entendimento consagrado pela Súmula 221, do STJ, é aplicável para todas as formas de imprensa, alcançado, assim, também o serviço de informação prestado por meio da internet.
Conquanto, salvo melhor juízo, caso o Marco Civil da Internet fosse aprovado com o texto da sua última redação (3), restaria claro, através do artigo 19, do substituto ao projeto de lei nº 2.126/2011, que “o provedor de conexão à Internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros”.
Não obstante, o artigo 20, do substituto do projeto de lei nº 2.126/2011 (4), prevê, de forma expressa, a necessidade de ordem judicial para retirada de conteúdo gerado por terceiros, sendo os provedores de aplicação da Internet responsáveis civilmente pelos danos, única a exclusivamente, em caso de omissão injustificada no cumprimento da ordem judicial, salvo em se tratando de direitos autorais, conforme o artigo 30 (5), do substituto do projeto de lei nº 2.126/2011.
De qualquer forma, o que se percebe é que a jurisprudência do STJ vai de encontro ao que passará a prever o Marco Civil da Internet, quanto à responsabilidade civil dos provedores por conteúdo gerado por terceiros.
É indiscutível que o entendimento consagrado pela Súmula 221, do STJ, é anterior a qualquer pretensão de elaboração de um Marco Civil para a Internet no Brasil, e foi elaborado, repita-se, para suprir uma omissão legislativa quanto ao tema, e que, por analogia, passou a ser aplicado à “imprensa virtual”, principalmente, Blogs e Sites de notícias.
Aliás, é de bom alvitre destacar, que ante a carência de legislação específica a respeito das relações civis na Internet, os Tribunais pátrios têm se empenhado em criar “regras” calcadas na ponderação e proporcionalidade para a responsabilidade civil decorrente de conteúdo postado em páginas na Internet.
Assim, por exemplo, merece destaque que, usualmente, segundo entendimentos jurisprudenciais, a análise da responsabilidade dos provedores por conteúdo gerado por terceiros, tem se dado no âmbito de sua capacidade de prévio controle sobre os dados que trafegam em seus servidores, e, via de conseqüência, de evitar o dano.
Ou seja, caso esteja dentro da capacidade do provedor em editar e evitar que conteúdo ofensivo seja disponibilizado em seus sites e blogs, hospedados em seus servidores, como é o caso de páginas alimentadas e editadas, pessoalmente, por Jornalistas e Blogueiros, tem se entendido pela sua responsabilidade, nos termos da Súmula 221, do STJ.
Entretanto, nos casos em que seja impossível o controle prévio dos provedores, como é o caso de postagens em redes sociais (Facebook, Orkut, etc.), tem prevalecido o entendido de que a responsabilidade nasce após a notificação do usuário ofendido, e a omissão do provedor em retirar do ar o conteúdo ofensivo, no prazo de 24h – (notice and take down).
Todavia, repita-se, com o advento do Marco Civil na Internet, todas essas “regras” criadas pela jurisprudência deverão ser relegadas ao arquivo no STJ, haja vista que o entendimento deverá ser pautado pela irresponsabilidade dos provedores por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, salvo em se tratando de direito autoral.
A dúvida que resta, destarte, ante este aparente conflito de entendimentos entre os Poderes, Legislativo e Judiciário, é qual deles irá prevalecer? Será que o STJ passará a aplicar as novas previsões insertas no Marco Civil da Internet, ou permanecerá balizando suas decisões em sua própria jurisprudência? Esperamos, sinceramente, que a primeira opção venha a tona, a final, uma lei sem aplicação pelos seus juízes é inócua. E, de Leis inócuas, data máxima vênia, estamos saturados.
NOTAS
(2) STJ Súmula nº 221: “São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação”.
(3) Para conferir a íntegra do texto do substituto ao projeto de lei nº 2.126/2011, acesse o link:http://idgnow.uol.com.br/internet/2013/11/05/veja-na-integra-o-texto-final-do-marco-civil-da-internet/
(4) Art. 20, do substituto ao projeto de lei nº 2.126/2011:
“Art. 20. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.
§ 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a diretos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da constituição federal”.
(5) Art. 30, do substituto ao projeto de lei nº 2.126/2011:
“Art. 30. Até a entrada em vigor da lei específica prevista no § 2º do art. 20, a responsabilidade do provedor de aplicações de Internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, quando se tratar de infração a direitos de autor ou a direitos conexos, continuará a ser disciplinada pela legislação autoral em vigor aplicável na data da entrada em vigor desta Lei”.
Por Maurício Brum Esteves
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