sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

"Nazistas eram gente como eu e você"


Hitler ganhou espaço na Alemanha porque a classe média não tinha perspectivas. seus apoiadores não eram maus, mas pragmáticos.


Por Götz Aly*
Texto publicado no site da Revista Galileu**


(Revista Galileu) - Pense em um conhecido seu, um primo ou um amigo. Imagine que ele perdeu o emprego há vários meses e não consegue levar dinheiro para casa. Faz alguns bicos, aqui e ali, mas não consegue encarar os filhos nos olhos. Para piorar as coisas, o vizinho foi promovido, trocou de carro e está construindo uma piscina no quintal de casa. Essa situação dura vários meses, até que um novo governante assume o poder e promete que quem participar do novo regime vai ganhar uniformes exclusivos, poder e, principalmente, um emprego com salário alto. Foi uma situação como essa que formou a base do nazismo na Alemanha: gente comum, que viveu um período prolongado de dificuldades financeiras e baixíssima auto-estima. Poderia ser seu primo. Poderia ser seu vizinho. Poderia ser você.

Meu avô Friedrich Schneider foi um destes homens. Em 1926, ele e outros 5 milhões de pais de família estavam desempregados e se juntaram ao Partido Nazista. Todos acreditavam, com sinceridade, que aquele sujeito entusiasmado de bigode estreito iria mudar o país e tirá-los da humilhação imposta depois do fim da Primeira Guerra. A queda da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, só piorou o quadro de carência, inflação e desemprego. Em resposta, Hitler oferecia um mundo organizado, militarizado, que valorizava a disciplina e o acesso à qualidade de vida para quem aderisse ao seu grupo. Havia um efeito colateral grave, no entanto: aquele vizinho rico ao lado teria que perder muito. Primeiro perderia o patrimônio, depois a liberdade e, por fim, a vida. Mas não era difícil olhar para o outro lado e ignorar aquele absurdo. O gueto de Varsóvia ficava longe, lá na Polônia, enquanto que levas e levas de roupas e jóias finas dos judeus presos chegavam a Berlim, para o deleite das pessoas que, pouco tempo antes, passavam aperto.

Na contramão, havia uma elite crescendo com poder maior ainda. Ela desfilava com suas insígnias, suas casas maiores, seus elogios em cerimônias públicas para as multidões. Diante disso, o sumiço de uma parcela da população que causava inveja não incomodava. Nenhum cidadão comum sabia, na época, que 6 milhões de pessoas estavam sendo trucidadas, mas a maioria dos alemães continuaria fazendo exatamente o mesmo: cuidando de sua própria vida. Surgiu, nesta época, uma classe de nazistas emergentes, que batalhavam para buscar mais espaço naquela sociedade que parecia estar em franca ascensão. Perto desta oportunidade, quem se importaria com os judeus?

Portanto, a maioria dos meus colegas historiadores da Segunda Guerra está equivocada: o principal ingrediente para transformar um país inteiro em uma máquina de matar inocentes não era a maldade, nem mesmo o racismo. Era o pragmatismo. E essa é uma má notícia, porque seria mais simples se pudéssemos apenas culpar os alemães. Se o nazismo e o antissemitismo cresceram graças a um ambiente de pobreza e, principalmente, de falta de perspectivas, este fenômeno pode se repetir a qualquer momento, em qualquer lugar.



* Historiador alemão especializado em nazismo e autor do livro "Why The Germans? Why the Jews?"

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